tag:blogger.com,1999:blog-30908929120814505782024-02-21T19:22:41.256-08:00Circular da VidaDaniel Passoshttp://www.blogger.com/profile/01732441646916736255noreply@blogger.comBlogger53125tag:blogger.com,1999:blog-3090892912081450578.post-45737347187901000542019-06-06T09:33:00.002-07:002019-06-07T11:30:59.649-07:00dos pensamentos nos pedaços de papel (ou da senhora que atravessa a rua)puxou uma cadeira e sentou-se.<br />
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paralisado, ainda atônito, não sabia dizer que dia tudo aquilo tinha acontecido. sabia que haviam se passado algumas noites porque sentia o cansaço e esgotamento tomando conta de seu corpo depois de uma sequencia de noites mal dormidas, cigarros e garrafas de vinho. seu suor cheirava a tristeza e álcool. sem que falasse uma palavra, o jovem atendente trouxe uma xícara fumegante, o líquido escuro espelhava sua sombra escurecida com uma barba espessa e hirsuta que há alguns anos era obrigado a retirar em ritual matutino repetitivo antes de ir pro trabalho.</div>
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os dedos formigavam, sentia muito suavemente o calor da alça da xícara, levou à boca e sorveu o líquido negro e amargo.</div>
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parecia recobrar a consciência e lembrou-se que não tomara banho todos esses dias. longas caminhadas e o calor do verão faziam com que emanasse um cheiro acre de seu corpo.</div>
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enfiou a mão no bolso, tirou pedaços de papel com anotações que havia feito para que não esquecesse todas as resoluções e possibilidade que haviam passado por sua mente nesses dias de tempestade. leu alguns deles. nada fazia sentido.uma caligrafia obtusa, quase ininteligível e que em nada se assemelhavam à sua escrita regular. parecia ter sido tomado por uma força, ou como se tivesse transmutado seu corpo regular em um animal selvagem. não reconhecia a si mesmo na dor que vertia dos papeis, nas palavras violentas e abjetas que narravam como um diário de penitência o que havia sucedido.</div>
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deixou uma nota de 5 reais em cima da mesa junto com alguns desses pensamentos, a xícara em cima de tudo.</div>
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saiu do café e caminhou pela calçada. andou alguns metros, parou, respirou fundo e cumprimentou uma senhor que cruzava a rua em sua direção. coçou a barba, o sol fustigava seu rosto e o couro desgastado de sua jaqueta. deu meia volta, "preciso tomar um banho" e voltou pra casa.</div>
Daniel Passoshttp://www.blogger.com/profile/01732441646916736255noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3090892912081450578.post-28070593155733828162018-10-30T06:50:00.002-07:002018-10-30T06:50:30.019-07:00conversa com pássaros e cigarros<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">nunca consegui compreender direito o meu corpo. há pessoas que dizem sentir o limite do corpo, como se fosse uma máquina e ele o dono dessa máquina. consegue gerir a máquina, brincar entre o limite e o descanso total. nunca consegui sequer acreditar nessa capacidade, sempre achei meus amigos e todas as demais pessoas também, antes de tudo mentirosas. o meu corpo sempre foi independente de mim, formamos por alguns anos uma boa parceria, mas de uns tempos pra cá a máquina não consegue acompanhar a mente. é como se houvesse uma defasagem entre a evolução dos dois. minha filha diz que é culpa do cigarro, e que se não fossem as dezenas de anos de fumaça correndo pelos pulmões eu teria uma velhice bem mais agradável. ela diz que eu poderia viver mais e melhor. certo que até poderia viver mais, mas tenho minhas dúvidas se viveria melhor. ela disse algo sobre caminhadas. acho que ela queria que eu andasse com ela no parque perto de casa. sempre que vou eu me sento no banco à sombra de uma amendoeira e fico lendo um livro qualquer, brinco com cachorros que passam por ali e comemoro a cada volta que ela completa ao passar por mim com palavras de incentivo. respiro e sinto que meus pulmões expandem com dificuldade, como que cansados do tempo e da fumaça que lhe atrofia lentamente ao longo dos anos. suspiro lentamente, levo a mão ao bolso da camisa social azul e tiro um cigarro, risco um fósforo e ouço um pássaro cantar logo acima de mim, mas não consigo enxergá-lo. sempre admirei as pessoas que conhecem o canto dos pássaros, são tão íntimos que consegue diferenciar os cantos da mesma espécie em diferentes regiões. é como se essas pessoas entendessem a língua dos pássaros e ainda dominassem os dialetos regionais. ouvi alguém comentar uma vez que meu avô era assim e que até respondia os pássaros, estabelecia uma ligeira conversa, um cumprimento fraternal com aqueles que moravam no sítio. não me lembro muito desse meu avô, eu mesmo hoje sou avô e não tenho muita certeza se serei lembrado. minha filha passa novamente correndo esbaforida, pego outro cigarro e abro o livro. o pássaro foi embora.</span></div>
Daniel Passoshttp://www.blogger.com/profile/01732441646916736255noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3090892912081450578.post-33058040170178031842018-10-30T06:35:00.000-07:002018-10-30T06:35:10.848-07:00eu sinto dor<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">todo ar que respiro é transformado em redemoinho de punhais que me rasgam por inteiro. o sangue que verte destes ferimentos inunda o pouco que ainda carrego de mim mesmo. eu sinto dor. uma dor tão pungente que fez de minhas veias e vasos as suas raízes e agora não há parte de mim que não seja somente dor. todos os meus gestos e falas resultam em um grito surdo, que estremece todas as minhas estruturas, trinca meus ossos e produz ainda mais dor. ninguém pode me ouvir. eu sinto dor. a minha dor parece querer me afogar, falta o ar e sinto os braços e pernas dormentes, resta somente o oxigênio do último respirar. o corpo entorpecido. a dor é como correnteza que me puxa e me navega, depois deixa-me à deriva em um remanso e tira de mim o norte do caminho que queria seguir. não me lembro mais do caminho. eu sinto dor. o passado que me atormenta e que me tira o sono, vozes que gritam e me chamam para cobrar dívidas que eu não posso pagar. não tenho dormido há muito tempo, levo a vida com sonolência, entre cochilos breves e entorpecido. eu sinto dor. e não há mais nada em mim que ainda não esteja tomado e inerte. meus olhos absortos não conseguem enxergar e minha mente anuviada apagou as lembranças de tudo que senti, dos lugares por onde andei e dos amores que vivi. eu sinto dor. tudo que fui resultou somente em dor e feridas que insistem em sangrar, gritos desesperados que imploram clemência das chagas que me atormentam e se acumulam nas paredes em que ergui e fiz a minha morada.eu sinto dor. e já não sinto mais nada.</span></div>
Daniel Passoshttp://www.blogger.com/profile/01732441646916736255noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3090892912081450578.post-53715622566527676222016-07-28T11:10:00.001-07:002016-07-28T11:10:11.244-07:00um gole de chá.respirava profundamente com os olhos fechados e os cotovelos apoiados na mureta que separava a varanda do jardim. era um gramado verde reluzente a essa hora da manhã, tinha floreiras por todo o caminho que chegavam a um lago, sempre gelado a essa época do ano. havia um ritual nostálgico nesse respirar profundo. ela dizia que era capaz de refazer o caminho e os passos dos dias de verão em que saíam nus da varanda até o lago, sentia o vento que tocava seu corpo e causava seguidos arrepios, também era capaz de perceber o aroma da florada de cada um dos canteiro bem cuidados que se espalhavam pelo caminho.<div>
nunca tinha percebido esse aroma, nunca notara os arrepios e a textura da grama na sola do pé. somente agora, depois de passados alguns anos - nem se sabe quantos ao certo - é que é capaz de sentir todos os detalhes.</div>
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a água parecia um espelho, água tranquila e calma que corria por uma canaleta do outro lado da margem à esquerda. ao lado direito corria um filete de água das rochas e era impossível acreditar que aquela goteira era capaz de encher um lago. pelo menos era isso que ele havia dito a ela na primeira vez que ela notou aquele trabalho maçante da natureza ao fundo.</div>
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foi depois que ele apareceu que ela adquiriu o hábito de mergulhar de cabeça na água, sem saber o certo a sua temperatura e sem especular como sua pele receberia aquele banho matinal, se com frio ou o alívio refrescante do verão. nadavam descompassadamente, de uma margem a outra, cruzavam as braçadas do nado, davam-se as mãos nas partes mais fundas e entrelaçavam-se as pernas quando estavam apoiados nas rochas.</div>
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o sol tomava o lago e deitavam à margem quando saíam da água. ela apoiava a cabeça no peito dele e já sentia os pelos braço eriçarem quando ele prendia os dedos por entre seus cabelos. ficavam lá deitados, sem tempo e sem pressa. notavam o fim da manhã com a mudança de posição do sol, a pele e o cabelo já secos.</div>
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caminhavam de volta à varanda enquanto ele explicava em pormenores o sistema de fertilização e polinização das flores naquela região. ela não entendia bem dessas naturezas, mas ficava encantada com a devoção que ele a dedicava em toda a explicação. comparavam o tamanho das rosas e a fazia lembrar que elas maiores no verão passado, que isso poderia ser um processo de enfraquecimento do solo. pelo que ela entendeu, o solo precisava de nutrientes para que as rosas crescessem bem. ele se comprometeu a adubar aquele canteiro e ela sentiria que as rosas seriam maiores e mais intensas na próxima florada.</div>
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sempre que chegavam à varanda eles encontravam duas toalhas secas e bem dobradas postas em cima da cadeira de madeira. sobre a mesa repousavam um bule com chá fumegante e uma garrafa térmica com um café levemente adocicado.</div>
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ele tomava chá e ela tomava café recostados no sofá.</div>
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é sempre neste momento que ela interrompe o ciclo de respirações longas, abre os olhos com alguma dificuldade por conta da luminosidade do sol e enxerga o jardim, o lago ao fim do tapete verde, enlaça os dedos ao redor da caneca e toma um gole do líquido quente.</div>
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ela não toma café há muitos anos. o hábito perdeu o sentido quando deixou de tomar banho no lago e o toque da água em sua pele passou a ser uma lembrança em sua memória.</div>
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Daniel Passoshttp://www.blogger.com/profile/01732441646916736255noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3090892912081450578.post-89222496975348445752016-07-18T08:25:00.003-07:002016-07-18T13:05:46.810-07:00Desfazimento de Discos (ou Prelúdio de Inverno)<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">café fumegante, ar gelado da manhã de inverno.</span><br />
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">os olhos custam a abrir e entender tamanha claridade.</span><br />
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">pele arrepiada e pelos eriçados, envolve a xícara com as duas mãos,</span><br />
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">em vão.</span><br />
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">hoje é o calor da presença dele pela casa o que faz falta,</span><br />
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">este silêncio em eco constante é o que esvazia</span><br />
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">e uma fina camada de poeira sobre os discos,</span><br />
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">em vão.</span><br />
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">o toque de sua coxa por entre as minhas pernas,</span><br />
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">dançávamos em cadência lenta</span><br />
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">e hoje tropeço por não saber caminhar só,</span><br />
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">em vão.</span><br />
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">sorvo o caldo negro amargo pacificamente enquanto esfria na caneca</span><br />
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">eu também perco o calor fumegante,</span><br />
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">você era o incêndio em mim, o fogo se apaga e estou só na clareira aberta,</span><br />
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">em vão.</span><br />
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">acabo de pensar algo em sua homenagem,</span><br />
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">publicarei no jornal:</span><br />
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">"vende-se vitrola e conjunto de discos em bom estado de dança".</span>Daniel Passoshttp://www.blogger.com/profile/01732441646916736255noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3090892912081450578.post-23624886068735707922016-07-13T13:19:00.003-07:002016-07-18T08:28:29.166-07:00elucubrações antes de conferir os meus recados na caixa postal.nos últimos tempos tenho sido tomado de assalto por sensações de perda iminente, uma espécie de um grande susto de uma quase-perda. seja por motivo de doenças fatais - socialmente classificadas em hereditárias, adquiridas ou merecidas (segundo tendência religiosa de alguns) -, seja por preenchimentos de espaços físicos, decorrentes do transcorrer do tempo ou mesmo do rumo que vida tomou, e uma forte lembrança vem à mente sem que você possa compartilhar aqueles pensamentos esbranquiçados e esmaecidos pelo tempo. a pessoa, os objetos de cena, as falas e o lugar são uma lembrança decadente do que o evento em si representou quando de seu acontecimento.<br />
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aceitar o correr do tempo, o perecimento das coisas e pessoas, e compreender o desafio de se prolongar no tempo e de ser testemunha de sua própria (e pequenina) existência é algo ao qual ainda não somos capazes de nos acostumar ou de aprender. os processos de assimilação e somatização destas perdas e andanças são próprios de cada um e, por mais que eu tenha tido vontades lampejantes de procurar um bom terapeuta, que fosse capaz de me ouvir e conduzir a uma resposta ainda que simplória sobre algumas dúvidas que me afligem com grande urgência, entendi que os questionamentos também evoluem em conjunto com estas perdas e o tempo que escorre por entre tudo isso.<br />
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o que eu quero dizer é que jamais poderemos ser capazes de responder às tais questões que nos afligem porque o tempo continua a sua cadenciada saga de tiquetaquear, enquanto que eventos, fatos e pessoas se sucedem em nossas vidas. o cenário, mutante por si só, não permite que as dúvidas sejam esclarecidas, que as perguntas sejam respondidas, ou que haja uma mínima compreensão sobre a loucura que nos cerca e nos toma de assalto pela tal '<i>sensação de perda iminente</i>'. a bem da verdade, na maioria das vezes, a perda já aconteceu e não se trata de uma '<i>perda iminente</i>' ou de uma '<i>quase-perda</i>', mas são estas as acepções que desenvolvemos para lidar e enfrentar o luto e desvio de nossa atenção, apego e dependência a outras coisas, pessoas e lugares.<br />
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não há o que você e eu possamos fazer a respeito. aceitemos que pessoas nascerão, algumas morrerão e que outras revelarão seu caráter num deslize assustador. aceitemos que novas avenidas serão abertas, que nossos parques e praças de infância serão '<i>reformados</i>', construídos e adaptados a novas necessidades e alergias infantis. aceitemos que o tempo está a tiquetaquear desde os primórdios e que o seu escorrer por entre os dedos afligiu tantas outras gerações que também perderam seu tempo a pensar no próprio tempo.<br />
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veja, os processos de perda acontecem sorrateiramente, ainda que nas grandes fatalidades, porque a própria existência anuncia que estamos sujeitos às catástrofes, sejam elas emocionais ou rodoviárias. não temos tempo de buscar respostas a perguntas que se tornam obsoletas a partir do momento que são formuladas em nosso íntimo, pois a sua própria existência pressupõe a observância, elucubração e constatação a respeito de um cenário e estado de coisas que não se reproduz mais em nenhum canto além de sua própria, vã e melodramática consciência.<br />
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seremos ainda tomados de assalto, eu ainda o sou, porque temos esse instinto animalesco de proteção e uma imensa necessidade de comover o outro. esta comoção serve para nos humanizar, fazer-nos mais tangíveis e compreendidos nos processos de dor e perda. nada além de uma pequena encenação social, de auto-convencimento e aceitação.<br />
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quando comecei esta divagação alguns parágrafos atrás, eu estava a escrever sobre perdas, mas o tempo passou enquanto me regojizava e deleitava com adjetivos e predicativos que escolhia ao acaso para a descrição dos meus pensamentos, e sou novamente tomado por assalto ao perceber que os processos de '<i>perda iminente</i>' que haviam se iniciado acima já não são mais tão iminentes assim e podem já estar em vias de serem consumados, haja vista o tempo que sempre me leva a tarefa de escrever e corrigir aquilo que escrevo. melhor conferir meus recados e checar se perdi algo por entre estas linhas.<br />
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<br />Daniel Passoshttp://www.blogger.com/profile/01732441646916736255noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3090892912081450578.post-36347223343579778412013-06-22T22:04:00.000-07:002013-06-22T22:04:12.448-07:00no canto do olho, a menina dançaum salve a você que comprou todas as brigas - as suas e de outros, que muitas vezes mal conheceu -, que deixou o bonde passar, o baile rodar e deixou a vela derretendo no prato perdido em preces e cercado por relicários (a quais santos mesmo?).<br />
um caloroso abraço a você que promete, finge, foge. você, cagão pela própria natureza, que baixou a cabeça e seguiu em cadência miúda, mínima, tão pequenininho. a você que prefere sentar à borda e analisar a profundidade da água e analisar a queda antes do mergulho de cabeça, que evita o cansaço da tentativa e que se perde em miudezas e pequenezas por entre mesas de bares e que brinda o brinde alheio.<br />
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a todos os dias bem (e mal) vividos. os amores sentidos e transados, às peles que cheiramos, aos pelos que arrepiam. também cigarros fumados, copos sorvidos e dias perdidos. aos livros lidos, aos perdidos, emprestados. amigos que foram, outros que vieram e os que deixamos partir quase que numa sensação de morte-viva.<br />
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o melhor brinde é ao oxigênio inalado, que ainda inunda seu pulmão de vida, quase num afogamento a seco. melhor é respirar, sentir por todos os poros que se possa sentir, esquecer dos poros desperdiçados, do oxigênio transmutado em carbono que sai de nós, morto. respira, puxa a cadeira, roda a baiana.Daniel Passoshttp://www.blogger.com/profile/01732441646916736255noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3090892912081450578.post-69802379401108596362013-03-21T22:08:00.003-07:002013-03-21T22:08:38.683-07:00epílogo de vida do beto.tudo transcorreu bem nos últimos anos. não sei bem quantos anos, mas tudo terminou de alguma forma bem. tudo bem que não foram somente momentos incríveis, orgasmos e sorriso, mas terminou bem. poderia ter sido melhor, é verdade, mas foi o que a vida teve coragem de me entregar, mesmo com algum receio. certamente não me considerou qualificado o bastante para tantas sensações incríveis. de certo, e por cautela, preferiu trazer um pacote padrão de vida. nasça, seja criança, veja, aprenda, cresça mais um pouco. outro punhado de existência e alguma relevância para uma meia dúzia de pessoas. "o especial acabou, minha criança.. desculpa..". tinha passado muito tempo com uma expectativa enorme de algo gigantescamente sensacional poderia acontecer a qualquer momento. tempo passou, dias, meses e ano depois de ano. nada. vida. vida, mas somente vida na mais singela definição de existência: não havia morrido em nenhum dos trágicos acidentes que tinham acontecido. experimentei no máximo a minha quase morte e a quase morte de algum grande amigo por minha única e exclusiva culpa que não terminou em grande coisa além de um dramalhão meia tigela a respeito da possibilidade existencial de cada um de nós e noites vazias de "por que`s" trazidos ao acaso numa discussão ilógica com meu lado mais racional. imagino que você lê essa história recortada, sem pé nem cabeça, e pensa que sou um cara pessimista. não sou, nunca fui, mas a vida quis me fazer assim. queria que eu fosse, mas não fui. houveram tempo sensacionais, é verdade. amei, desamei, ri até fazer xixi, perdi a razão em discussões que me pareciam extremamente relevante, mas que agora não me vem à cabeça do que se tratavam. também andei descaço na praia, corri, joguei (mal) bola. cresci muito e tive dores nas juntas e articulações - isso me faz ter medo das dores na terceira idade, se eu chegar lá -, também assisti muitos filmes bons e outros ruins. li alguns livres bons, outros ruins, mas sempre os terminei. fiz (pouquíssimos) bons amigos. vi minha (ex) melhor amiga nua e transei com ela, perdi a amiga. namorei, transei mais um pouco. fumava e disfarçava os suspiros de lamentação ou de encantamento - e sempre lembrava do mário quintana ao fazer isso ("desconfia dos que não fumam..."). gostava mesmo era de mergulhar intensa e profundamente em pessoas, coisas, livros e filmes. os mergulhos dados às cegas acabavam, por vezes, em cabeçadas ao fundo, mas eram mergulhos e sempre terminavam de uma forma ou de outra.o certo é que ao escrever sobre o que fiz ou pensei, sobre o que deixei de fazer ou de falar, sobre as pessoas que conheci ou sobre aquelas que fingi algum interesse somente para ver a que ponto elas poderiam confiar em mim - quase que uma espécie de teste do meu poder de persuasão e da confiança que inspirava nelas (poderia escrever muito sobre isso. vocês não fazem ideia de como somos maleáveis e facilmente manipuláveis! é incrível!) - e ainda poderia escrever sobre todas as minúcias das sensações que experimentei, mas isso soa lamentável. inspiraria nostalgia em mim. nostalgia é a saudade de um passado que já foi. o tempo já foi, eu e você também/ e o mundo não vai querer ouvir sua histórinha de vida, há outras 6 bilhões de histórias tão (ou mais) interessantes quanto as nossas.<br /><br />só mais uma coisa: o tempo e o raduan nassar fizeram com que eu perdesse o amor ao parágrafo, o texto ordenado e a revisão do vômito transportado ao papel. o texto ser mais livre também me investe numa nova e deliciosa liberdade.Daniel Passoshttp://www.blogger.com/profile/01732441646916736255noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3090892912081450578.post-69291337184311697892012-10-24T04:31:00.003-07:002012-10-24T04:31:42.555-07:00receita de despacho para nova vida.<br />
desinfeta, despacha,<br />
reza ajoelhada, em pé ou dançando,<br />
capricha no despacho: galinha preta e charmosa (bem vivinha da silva!), farofa fresca e pipoca quentinha! pede a vontade, usa um vestido bem rodado e dança um samba do Vinícius, toma um gole da cachaça, arrepia a pele e livra alma.<br />
desencaminha e desembesta por nova estrada, mesmo que seja imaginária, peixeira na mão e abre clareira na mata, e na mente.<br />
estica a mão e encontra a mão de outra pessoa para segurar a tua, ou não.<br />
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vai só. pode ser que te encontrem lá na frente já refestelada pela nova via, sua via, nova vida e novidade.<br /><br />SARAVÁ!<br />
Daniel Passoshttp://www.blogger.com/profile/01732441646916736255noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3090892912081450578.post-73010421304714039972012-10-01T22:49:00.003-07:002012-10-02T15:05:04.648-07:00De quando ela foi viajar (ou Das tampas das canetas mordidas)<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="background-color: white; color: #333333; line-height: 14px; white-space: pre-wrap;">o caderno estava posto sobre a mesa, a caneta com a tampa mordida também. eu sempre tinha reclamado desse hábito que ela tinha de morder a tampa da caneta Bic enquanto pensava. - você já reparou que não tem mais canetas inteiras</span><span style="background-color: white; color: #333333; line-height: 14px; white-space: pre-wrap;">?</span><span style="background-color: white; color: #333333; line-height: 14px; white-space: pre-wrap;"> todas elas parecem ter as marcas dos seus pensamentos. - é sinal de que andei pensando demais nas últimas canetas que tive... meu caderno sabe bem dessas coisas. a cadeira, deformada pelo jeito torto dela sentar, sobre a perna, com cotovelo apoiado na mesa, tudo ali naquele canto parecia gritar de saudades: a cadeira com as marcas da perna, a escrivaninha vazia e sem sofrer o peso pontiagudo do cotovelo, o caderno e a caneta com a tampa mordida pareciam na iminência de se moverem instintivamente. tinha algum tempo que ela não se sentava mais ali naquele canto da sala do nosso apartamento. disse que estávamos perdendo a supresa um no outro, que parte do encantamento vem da surpresa, do inesperado. nós tínhamos nos tornado demasiadamente previsíveis um ao outro. ela sabia das minhas manias e esquisitices, a caneca preferida para tomar um café, o modo como catava o isqueiro instintivamente para acender um cigarro. via nela os gestos repetidos, as escovadas no cabelo quando saía do banho, o cheiro do xampú de romã que ela teimava em usar há alguns anos sob o pretexto de ter um cheiro pouco conhecido. - você já cheirou uma romã</span><span style="background-color: white; color: #333333; line-height: 14px; white-space: pre-wrap;">? - não, acho que não. - então, o meu cabelo tem o cheiro de algo que você nunca cheirou. sabia das camisetas de algodão que ela usava em casa, o arrastar de seu chinelo até a cozinha, o modo como abaixava para alcançar a garrafa de mate, duas pedras de gelo no copo azul e voltar ao quarto. - quer mate</span><span style="background-color: white; color: #333333; line-height: 14px; white-space: pre-wrap;">? a camiseta roçando levemente seus bicos dos seios ainda eriçados pelo ar frio da geladeira. conhecer um ao outro trazia um certo conforto inevitável, que nos tomava no domingo de manhã quando ela abria a janela, via os prédios lá fora e sempre retornava num pulo à cama para terminar de acordar. o cheiro dela enebriava e tirava um pouco da luz dos domingos. tinha nos cabelos ainda o rastro de romã, mas tinha o cheiro dela, que eu vasculhava em seu pescoço. a minha barba por fazer sempre fazia os pelos do seu braço acordarem, eretos, num reboliço que corria o corpo. - é tão bom acordar a minha pele com a sua barba por fazer, parece que tenho a certeza de que é domingo quando o meu corpo acorda assim. e o dia passava quase impercetível por entre discos que ela punha para tocar no som da sala, enquanto eu fervia água na cozinha para um macarrão. sempre temos macarrão aos domingos, na casa dela e na minha, desde o tempo de criança, macarrão se come aos domingos. os rock's que ela descobria durante a semana eram todos minuciosamente explicados a mim, de onde vinha o grupo, o que diziam as letras, como foram gravadas as canções e toda sorte de detalhes pudessem se esconder por entre os riffs alternativos. ouvia tudo atentamente, fazia comentários espassados e assistia o seu bailar na cozinha. como prêmio ela colocava um disco da bethânia e eu sempre dizia - a bethânia não é desse mundo... e ela respondia: - não, ela é do seu mundo. o macarrão era posto no prato, sentávamos à mesa da cozinha mesmo e o pé dela, ainda abraçado pela meia, escorregava pela minha canela e parava sobre o meu pé, na tentativa de cobri-lo, de tomar conhecimento, numa conversa entre pés, por onde eu havia passado, quais havia parado e como tinha voltado para casa. e quase não pude acreditar quando vi as suas malas postas no corredor, ouvi seus passos vindos do quarto, sequei uma lágrima que se anunciava na camiseta dela que estava em meu ombro. - eu volto logo. e quando eu voltar ainda vou ser a mesma que está indo agora. - eu acho que ainda vou estar aqui, parado, de frente à porta. - eu sei que você vai estar aqui e é por isso que não vou demorar. era a primeira vez que ficávamos longe um do outro desde que havíamos nos encontrado há uns anos atrás e me angustiava a minha ausência de memória de mim mesmo sem que ela estivesse do lado. toda trilha sonora ou fato ocorrido tinha o rastro dela e agora eu estava parado, com sua camiseta caída no ombro. o cachorro ao meu lado reclamava com latidos a fome que tinha e fui até a cozinha lhe dar a ração. sentei ao seu lado no chão e enquanto ele comia eu tomei uma xícara de café. entrei banho e usei o xampú dela. saí de casa com cheiro de romã, como se fosse assim uma espécie de muleta para me conduzir pelas ruas já que sua mão não estava ali a apertar a minha enquanto atravessava em passos rápidos a avenida. o telefone celular apitou, mensagem dela: sua camiseta listada vai comigo e me peguei cantando: 'e todos os meus nervos estão a rogar. e todos os meu órgãos estão a clamar.. e uma aflição medonha me faz implorar'. soube naquele instante que ela iria voltar a mesma, com minha camiseta na mala. 'eu te amo' foi a resposta que ela leu no celular antes de embarcar.</span></span><br />
<span style="background-color: white; color: #333333; line-height: 14px; white-space: pre-wrap;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">estou sentado com minha xícara de café na mão, um cigarro angustiado na outra, o cachorro sabe que ela está por voltar, parece sentir minha agonia, o caderno e as cantes Bic mordidas também celebram a iminente volta dela. compartilhamos por ela a mesma devoção e celebrávamos a ansiedade de ter o ar tomado por risada e histórias assim que a porta se abrisse.</span></span>Daniel Passoshttp://www.blogger.com/profile/01732441646916736255noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3090892912081450578.post-67094835960566636422012-09-25T23:14:00.002-07:002012-09-26T16:12:07.527-07:00o cheiro de terra molhada.poros abertos, pelos eriçados e o último arrepio percorre a coluna, invade a nuca e a toma por fim. um sorriso languido destoa, mostra os dentes alvos demais, covinhas nos cantos da boca e uma inclinação do pecoço que o alongava ainda mais e me dava espaço para vasculhar todos os cantos do lugar onde queria fazer minha morada. tinha nela uma espécie de alento, acalanto quase pueril que era tomado por um imenso desejo de fazer daquele sorriso e daquelas bochechas coradas algo permanente. não podia mais imaginar que em algum momento lágrimas escorreriam de seu rosto e eu não estaria lá para fazer uma graça que seria seguida de sua risada mais gostosa. nisso de gargalhar e sentir arrepios com os poros mais abertos que de costume, eu sentia seu cheiro ainda mais intensamente, quase conseguia materializa-lo, tocá-lo e o ter eternizado em minhas narinas. fazer dela o único cheiro que meu olfato seria capaz de sentir e sair pelas ruas enebriado e entorpecido. - não quero mais deixar de lado o tempo que posso passar te cheirando... - não sei o que tanto você me cheira. sabe que isso me deixa arrepiada. - cheiro para não te esquecer, para te fazer cócegas e para te ter em mim. - mas você já tem, estou aqui. - mas eu quero você em mim, por todo lugar e a qualquer tempo. e ficamos deitados nos lençóis de algodão que tinha no sítio e que já eram uma espécie de continuação dela naquele lugar. antes de cair no sono, porém, ela decidiu que queria um filho meu em seu ventre e que amanhã de manhã queria andar descalça enquanto a grama ainda estivesse úmida do orvalho da noite que testemunhávamos. segundo ela dizia, esse orvalho era a marca da noite anterior no dia que se anunciava, lágrimas de despedida que escorreriam inevitavelmente à terra preta, uma espécie de nostalgia da natureza nela mesma e seus pés a vasculhar e vilependiar este sublime momento de despedida da grama, do mato e da noite, tendo a terra, seus calcanhares e a mim como testemunhas. dormimos.Daniel Passoshttp://www.blogger.com/profile/01732441646916736255noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3090892912081450578.post-59432394970253668712012-08-25T18:30:00.003-07:002012-08-25T18:54:40.710-07:00Ode a um bom canalha.<br />
"Invejo a burrice, porque é eterna."<br />
<br />
a frase acima, envolta em aspas, é do nélson rodrigues. ele teve, talvez a maior até hoje, capacidade cega - literalmente, nélson era quase cego - de desvendar nossas mais puras atrocidades.<br />
<br />
pode ser daí, dessa inveja e da burrice, que venha a minha e a sua estupidez, como se tentássemos, em vão é bem verdade, obter uma eternidade desconhecida. será que teríamos a consciência a respeito deste plano mirabolantemente inteligente: ser estúpido para ser eterno? eterno para quem e por quem? ao final, eu, você, aquela vizinha gostosa e o padre joaquim somos todos estúpidos ao ponto de acharmos que temos ainda algum potencial de melhora. somos canalha, ao menos eu, a um ponto já sem controle ou pudor.<br />
não, minha criança, somos incapazes de tamanha façanha.<br />
<br />
vivas a nós, bons canalhas, que tem alma! viva!Daniel Passoshttp://www.blogger.com/profile/01732441646916736255noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3090892912081450578.post-40835032085572890002012-07-29T19:32:00.001-07:002012-07-29T19:32:57.838-07:00ode ao encontro (e ao desencontro também)<br />
:<br />
<br />
dos encontros e desencontros,<br />
quando do acaso se faz um caso e estória inventada tem sim final,<br />
mesmo que não seja feliz.<br />
de dentro para fora e fazer da prosa um resultado de verbos no infinitivo:<br />
cativar, depois de encontrar, marcar a ferro e fogo.<br />
sem pretextos, sem relógios e sem roupas.<br />
<br />
<span style="background-color: white;">despojo as vestes e, nu, encaro a sua platéia com minhas vergonhas à mostra:</span><br />
defeitos, preconceitos, cismas e manias.<br />
<br />
sem disfarces, sem censura e sem pudor.<br />
pele, pêlo e pau completam a cena dantesca.<br />
<br />
.<br />Daniel Passoshttp://www.blogger.com/profile/01732441646916736255noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3090892912081450578.post-90244413121504001862012-05-16T22:29:00.002-07:002012-05-16T22:29:56.813-07:00sobre a tal relevância de tudo ao seu redortudo que se toque, gente ou coisa, tem uma certa relevância, até um certo tempo. começa colorida, enebriante, vício, necessidade e compulsão. como cheiro de cabelo, de livro novo ou de posto de gasolina quando você é criança. o transcurso de dias, meses e anos tem a capacidade de desbotar memórias, trazem enjoo do cheiro do cabelo, acabam com o cheiro do livro novo e fazem você crescer e achar cara a gasolina.<br />
<br />
a digestão e percepção do tempo não custam muita coisa, algum sofrimento, talvez, e isso vai depender sempre da sua necessidade de manutenção e estabilidade. o comodismo é um eterno aliado para manutenção do que tem de acabar, do que deve ter ponto final e encerrar capítulo. é este tal comodismo que protela e faz prosperar, falsamente, o que já perdeu sua relevância. o ser humano, numa insensata necessidade de cultuar, devotar, ser cultuado e ser devotado, é capaz de engolir e deglutir mais do mesmo, mais uma vez, pelo cagaço da mudança eminente.<br />
<br />
algumas coisas são certas amigo: o cheiro do cabelo tem de ser tão intenso que se torne imperceptível para não enojar, o livro deve ter páginas amareladas ou folhas novas com conteúdo passageiro e o posto de gasolina... bom, é melhor não ter carro.<br />
<br />
bom também, meu amigo, é mandar um foda-se generalizado, fazer uma faxina, interromper esse tal de tempo, desregular a evolução e sua cadência, atrapalhar essa medida de relevância e renovar, recomeçar, resetar. separar roupas do armário que você não usa há mais de um ano, terminar um casinho (quase) amoroso, emprestar o livro para um amigo que (com certeza) não o irá te devolver com dobras e marcas indesejadas e vender o carro (se você ainda insiste em tê-lo). essas chacoalhadas no seu universo, ao redor do seu umbigo, vão te fazer sentir uma renovação repentina, uma deliciosa sensação de liberdade, que fatalmente será interrompida por qualquer rotina que se anuncie, um vencimento do aluguel, por exemplo, e você começará a sentir o Mr. Tempo de volta, a correr em sua direção e PAH! aquela trombada da realidade, que se aliou ao tempo só pra te sacanear.<br />
<br />
é, dentre as coisas que são certas, a mais certa de todas é a conclusão de que o mundo não gira ao redor do seu umbigo e que, à exceção de (no máximo) meia dúzia de pessoas, ninguém quer saber de suas aflições, dores, dúvidas e piadinhas infames. o mundo está ocupado demais para cuidar de você.<br />
<br />
<br />
há braços!<br />
<br />
<br />Daniel Passoshttp://www.blogger.com/profile/01732441646916736255noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3090892912081450578.post-66577444400307441672011-12-06T13:37:00.000-08:002011-12-06T14:06:23.094-08:00celebração do tempo<div style="text-align: justify;">Tinha dois anos de idade e a relva verde cultivada por meu avô para correr, brincar e descobrir a vida nas suas mais singelas delicadezas e coloridos que ele me mostrava e ensinava pacientemente. há alguns anos minha vó tinha resolvido dedicar o seu tempo a ele, cuidar de sua velhice e dar os últimos dias felizes no campo. o cheiro da comida saía da cozinha e nos chamava para o almoço e a sobremesa era posta à beirada da mesa que, naquele tempo, era alta e um desafio para alcançar as fatias de goiabada e queijo branco. os dois riam e se divertiam enquanto eu desbravava, nas pontas dos pés, os cantos da mesa à procura de mais.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">o tempo foi demasiadamente cruel e solitário para ela que aceitava solenemente o arrastar do tempo em época que tv e telefone por satélite ainda estavam distantes da realidade do campo brasileiro. o velho acordava cedo, ela também, a rotina se repetia solenemente, café da manha, conversas breves sobre os afazeres do dia e necessidades de compras na cidade. ele saía e andava, cuidava do jardim, galinheiro, laranjal e marcava os pés com os frutos mais doces que nos seriam oferecidos na próxima visita. ela cuidava da casa, das roupas, comidas e embalava caprichosamente potes com molhos e carnes cozidas deliciosas para que seus filhos e netos mantivessem no paladar a sua lembrança.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">o dia acabava cedo. o cair do sol e o esfriar da grama anunciavam a chegada do meu avô depois de mais um dia de plenitude. ele não conseguiria viver por muito tempo na cidade e minha vó aceitava celebrar sua existência e plenitude afastada de tudo e de todos. era um pacto inconsciente de recompensa por tudo que havia sido e tinha feito. ela cumpria a sua parte e abrira mão de sua própria existência para acompanhar os últimos anos do homem que a resgatara há mais de 30 anos atrás.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">a infância que ela havia tido e a diferença de idade dos dois deixavam clara a necessidade que ela tinha de um porto seguro, alguém que conservasse e cuidasse dela como a uma filha. gestos de carinho, companheirismo e, pela primeira vez, ser a prioridade na vida de alguém.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">as lembranças que tenho do meu avô vem do carinho que ele deixou semeado e através dela que fez os pequenos gestos e atitudes dele se propagarem no tempo. não pude sentar com ele embaixo de uma árvore por ele escolhida e saborear aquele fruto que havia sido guardado para nós, mas ainda sinto o doce do suco da fruta, a sua presença e tudo que foi ensinado e guardado por minha vó.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">o tempo ser materializou ao marcar o rosto de minha vó, fragilizar seu corpo e no embranquecer de seus cabelos. mostrou também que é capaz de transformar tudo em pequenos grãos, diminuir e relativizar os grandes, imensos e urgentes problemas de nossas existências que, acredite, não são tão relevantes assim para além das pessoas que amamos e que nos amam. as perdas necessárias que me vierem serão recebidas de braços abertos, o tempo é sempre bem-vindo e esperado.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">a iminência de um reencontro com minha vó, ouvi-la contar histórias, cantar fados e contar os causos de um outro tempo me fazem sentir que ele - o meu avô -, e ela também, ainda continuarão por muito tempo dentro de mim.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">o sítio, árvores, grãos e sementes do meu avô continuarão comigo, semeados por minha vó, e em meus filhos até que o tempo cuide de dissipá-los na poeira.</div>Daniel Passoshttp://www.blogger.com/profile/01732441646916736255noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3090892912081450578.post-91369770503136888772010-11-23T13:47:00.001-08:002010-11-23T14:56:49.733-08:00aquilo que dá no coraçãoele rumava para o norte, meio que instintivamente, quando se deparou com ela. era um reencontro, havia tempos que os caminhos tinham se cruzado, mas não sabiam àquela época que haveria um novo encontro. ele estava agora cansado de tudo, de tantas coisas e desacreditando de tantas outras. tinha até construído um muro em volta do pouco que restara dele, revestiu-se de armadura e seguia. ela também vinha assim: protegida.<div><br /><div>o reencontro tinha sido como os dois esperavam, casualmente conversaram, contaram um pro outro, de forma resumida, por onde andaram nesse tempo, afinal eram mais de 3 anos. a risada dela era cativante e ele percebeu isso no primeiro gargalhar. arrancou dele um sorriso leve, bom de sorrir. o tempo era curto, tudo tinha prazo, receio e fronteiras pré-estabelecidas. isso tudo aconteceu envolto pela praia, céu e os morros cariocas. ela indicou o lugar onde iriam se sentar, o que iriam beber e o rapaz seguiu solenemente todas as indicações.</div><div><br /></div><div>o lugar tocava músicas do chico buarque, a noite era quente e ele já havia bebido cervejas suficientes para que a coragem de beijá-la chegasse sem freio. a banda parecia tocar uma trilha sonora a partir daí. dormiram juntos um sono profundo.</div><div><br /></div><div>o reencontro que tinha data e hora marcada chegou ao fim, ao menos por ali. os dois ainda não sabiam como aquele fim de semana, a praia, o beijo, a música e o sono iria mudar tudo dali pra frente. ele aqui e ela lá, distância física, que atormentou ainda mais o rapaz quando ele soube que seria ainda maior. tratou de partir novamente ao seu encontro, dessa vez tinha deixado toda a sua armadura em casa, tinha pulado os muros que o cercavam. tinha decidido tentar transpassar todas as fronteiras dela, desarmado.</div><div><br /></div><div>um passou a gostar do outro, a precisar da conversa, risada, companhia e do toque. haviam se despojado de todos os seus medos, deram-se as mãos e resolveram tentar, pular, dar o passo à frente rumo ao desconhecido. tinha nela agora uma dependência sem tamanho e sentia que ela também precisava dele. a felicidade que lhe tomava o peito acabava por sobressaltar aos olhos toda vez que pensava nela.</div><div><br /></div><div>fizeram um com o outro um pacto de amor, verdade, carinho e companheirismo, sem que qualquer promessa precisasse ser feita de pés juntos. eles simplesmente acreditam um no outro, sentem segurança e são felizes. ele tem nela, e sabe que ela também nele, uma espécie de fortaleza, onde podem se refazer, sonhar e amar alheios ao que acontece no outro mundo, ali dentro o mundo é só deles e os céus parecem conspirar em função dos dois.</div><div><br /></div><div>posso dizer que ele é feliz e que dela vem felicidade. também sei que experimentam uma espécie de amor que ainda não haviam provado, que se alimentam desse amor e é por ele que os dois tem vivido.</div><div><br /></div><div>ele sou eu e ela é você, amor. você é o meu sinônimo de felicidade, amor e carinho. é a fortaleza onde gosto de estar.</div><div><br /></div><div>é com você que descobri aquilo que dá no coração. amor, com você, por você e pra você.</div></div>Daniel Passoshttp://www.blogger.com/profile/01732441646916736255noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-3090892912081450578.post-11914242982860318132010-08-27T20:34:00.000-07:002010-08-27T21:31:28.993-07:00sem parar<div>.</div><div><br /></div><div>cansado de tanta coisa e tão pouco me revigora. poucas horas e momentos conseguem me reavivar. poucas pessoas não me cansam e quem não me cansa não está a todo tempo comigo. será que me cansaria delas também se estivessem ao meu lado? melhor que fiquem longe, já são tão poucas... ando correndo demais, sempre querendo chegar lá, mesmo sem saber o quanto ainda falta neste caminho. não há quem estenda a mão, não há quem possa querer ir comigo enfrentar tudo, o que quer que seja, não há. o suor escorre pela testa durante o caminho. e ela lá, sem saber porque ficou e eu sem saber porque não veio. não aprendi a tocar violão e ela sempre gostou de música, deve ser isso. e se não for, e se for eu? e se eu for? ainda bem que ela ficou, não aguentaria ter o cheiro dela ao lado por um tempo e depois deixar que escapasse pelo vento. que pena que ela ficou. uma avalanche de palavras que seriam boas de ser ditas, tantas outras boas de serem ouvidas e só silêncio, tão quieto que ecoa e ensurdece todos os outros sons ao redor. bem que ela podia ser e estar em outras, bem que podia me travestir de outros, disfarçado, encapuzado, teria mais coragem e, sem responsabilidades e expectativas, tentaria, falaria, agiria, gritaria, seria, iria, ia. tantos verbos no futuro do pretérito que não sei mais pra onde olhar, se pra frente, futuro, planos e sonhos, ou se pro passado, pretérito, encerrado e lamentado. continuo num caminho de retornos, cruzamentos e avenidas sempre vazias, vazio e oco. paro e imagino o movimento que ficou, que já foi e que ficou lá com ela. lá também ficaram sons, palavras, sensações. não consigo mais conduzir a vida e o enredo dela. não há mais pausa, capítulos, expectativas. sem escrever "ela" não tenho história, não há minha história sem a dela. preciso dividir o ar, pular, gritar, sentir, sem fugir!</div><div><br /></div><div>não há tempo para parágrafos</div><div><br /></div><div>.</div>Daniel Passoshttp://www.blogger.com/profile/01732441646916736255noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-3090892912081450578.post-49605358875993452922010-06-28T06:51:00.000-07:002010-06-28T07:06:07.759-07:00em cada jardimo homem prostrado, com os pés fixos<br />imoblidade, fragilidade<br />buscas e conquistas em tantos anos<br />e só hoje conseguiu sentar numa cadeira,<br />mirar o horizonte ao longe.<br />e agora consegue ver o que poderia ter sido,<br />tudo que deixou...<br /><br />estavam lá esperando por ele,<br />horizonte, jardins, flores<br />o tempo castigou a pele, as marcas do tempo<br />e uma vaga lembrança da feição jovem<br /><br />largaste tudo por tão pouco, estais arrependido?<br />a juventudo é burra, cega, ignorante<br />não sabia o que buscar,<br />impossível ver o que estava ao meu lado,<br />tudo por pequenos troféus estúpidos que enferrujam à estante<br /><br />eu mesmo, que já estou enferrujado, alquebrado,<br />fico sentado, à margem de tudo,<br />admirando o que resta do tempo e da vida em mim.<br /><br />pequeno sopro e tudo se esvai pelo vento que vem do leste.Daniel Passoshttp://www.blogger.com/profile/01732441646916736255noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3090892912081450578.post-87228032017751160222010-06-10T19:26:00.000-07:002010-06-10T20:25:56.364-07:00a ponteo corpo balançava leve em cima da ponte. o vento frio soprava vindo do leste, de onde ele tinha acabado de partir. senti de leve as nuances daquilo que tinha acabado de abandonar, um turbilhão de coisas e sensações, mas a culpa ainda era dela. o cheiro dela estava sempre por detrás de qualquer outro que eu tentasse identificar. é como se tivesse infectado tudo com detalhes que por fim sempre remetessem a ela. a inveja na sua forma mais simples.<br /><br />pensava no meu apartamento e quando deixei a chave na portaria com o chaveiro que ela tinha colocado tempos antes, sem me avisar. fui surpreendido numa dessas noites cansadas, num tive forças pra reagir e jogar o peduricalho no lixo. deixei o molho de chaves presos à aquele souvenir que ela deve ter trazido de algum lugar da europa. era a única chance que tinha de me vingar: deixando aquilo para o próximo morador. o zelador começou a desvencilhar o chaveiro do molho de chaves, quando bati o portão escutei ele me advertindo sobre o esquecimento.<br /><br />ela sempre ia no mesmo bar, algumas mesas e cadeiras distribuídas num salão mal varrido. pelos detalhes empoeirados nos cantos da parede, parecia ter sido um lugar bem frequentado há algumas décadas. eu tinha acabado de mudar para o quarto-e-sala no centro. descobri o boteco quase sem querer, de relance vi a moça sentada à mesa, sozinha, com uma garrafa de cerveja. olhei o relógio, eram quase 8h da noite.<br /><br />na semana seguinte me esquivei de últimos detalhes na repartição e cheguei ao bar com meia hora de antecedência, sentei à mesa que ela ocupava há uma semana e pedi a mesma cerveja. em alguns minutos ela entraria e iria me ver invadindo seu território e só teria duas saídas: dividir ou lutar. ela entrou no bar e, irresoluta, sentou na minha frente. despojou o cachecol e o casaco barato em cima da mesa mesmo e perguntou se podia se sentar ali. respondi pedindo mais um copo para o garçom.<br /><br />naquela noite ela já conheceu meu apartamento e começou a se apossar do meu mundo. cedi um pequeno canto no armário e ela começou a deixar algumas mudas de roupa para os finais de semana que ela resolvia dormir por lá. mudou o lugar o tapete da sala com a desculpa que seu salto ficava preso nele.<br /><br />em pouco tempo parecia que eu mesmo era o visitante de minha casa. não tinha percebido que tinha perdido meu espaço nessa guerra. até gostava dessas briguiinhas e discussões, o sexo sempre era melhor assim: raiva e amor. amor não, desejo no sentido mais animalesco que se possa imaginar. éramos dois devassos, ossuídos pela raiva e os dois eram obstindos, queria me impor a ela. ela dominava, dizia a hora de começar, terminar e como tudo seria feito.<br /><br />depois disso ela sumia por alguns dias. inicialmente, pensava me sentir mais vivo, conseguia perceber todas amudanças que ela havia feito entre um sumiço e outro. e traçava planos e regras que seriam ditadas assim que ela resolvesse voltar. em vão. alguns dias depois, começava a sentir sua falta, queria as brigas e o sexo. o sexo fazia mais falta, a explosão da pele, sentir a sua respiração em meu ouvido ee suas pernas me envolvendo.<br /><br />quando ela aparecia eu já tin ha realocado as coisas por ela mudadas. ela reparava em tudo e se dizia cansada. tínhamos uma espécie de código, e nada era dito ou cobrado. ela saía do banho ainda com os cabelos molhados e nos atracávamos, como animais, e, finalmente, sentia as suas pernas enlaças à minha volta.<br /><br />(continua)Daniel Passoshttp://www.blogger.com/profile/01732441646916736255noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3090892912081450578.post-38123295162054905372010-05-26T06:15:00.000-07:002010-05-26T06:36:01.159-07:00na parede da memóriaainda lembro do tempo em que ela esteve por aqui. inconstante, cheia de interrogações e tranbordando afeto, o lar parecia mais cheio com sua presença. era como se a magia dela encantasse os móveis e os quadros antigos pendurados na parede. logo cedo tinha a mania de cantarolar versinhos que inventeva na hora. melodias conhecidas com letras criadas por ela. dava 'bom dia' com um sorriso e continuava o seu processo de criação.<br /><br />esticava o braço e pegava um pedaço de pão, levava um copo de suco para o quarto e escolhia a roupa para sair de casa. com o passar do tempo comecei a perceber que muito da canção interferia em como seria o seu dia, era como se a música fosse um prenúncio do que iria acontecer e das coisas que iria fazer. entre uma melodia e outra fazia um cometário qualquer que eu sempre respondia com um sorriso no rosto, tentando encurtar a conversa pra ter minha trilha sonora de volta.<br /><br />escovava o cabelo sempre que eu estava amarrando meus sapatos e passava a mesma escova pelos meus cabelos, como quem queria me incluir naquele ritual e seu cheiro ficava. abaixava delicadamente para catar a bolsa e pequenas coisas que lhe seriam úteis e eu a idolatrava, olhando as curvas das suas pernas, torneadas pelo salto alto e alarmadas pela saia ligeiramente acima do joelho.<br /><br />os passos ritmados iam me esperar na sala, a tv, que falava sobre algum fato importante que já tinha acontecido naquele início de manhã, silenciava. e todo dia neste momento ela anunciava nosso atraso. precisávamos correr e eu só queria parar. queria que o mundo me desse a chance de ouvir mais um pouco daquela melodia e que ela ficasse entoando em meus ouvidos o resto do tempo.<br /><br />não me recordo há quantos anos ela desligou a tv pela última vez, ou quais foram os últimos versos rimados em suas canções inventadas, mas ainda a vejo saindo do banheiro, deslizando a escova sobre os cabelos caramelados, ainda sinto o cheiro que ela deixava quando saía do banho. ela parece não ter envelhecido, tenho certeza que a reconhececeria somente pela voz.<br /><br />hoje estou deitado, não há mais múisica, notícias, atrasos, pães frescos e cantoria. os quadros nas paredes acabaram de envelhecer e dificilmente um sebo do centro da cidade os trocaria por um punhado de livros. eu envelheci.<br /><br />o sol já lambe a janela há algum tempo e eu viro para o lado na tentetiva vã de recomeçar aquele sonho, com aqueles sons.Daniel Passoshttp://www.blogger.com/profile/01732441646916736255noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3090892912081450578.post-15726954969204810272010-05-04T18:07:00.000-07:002010-05-04T18:23:12.880-07:00Inebriadotuas curvas desalinham meu horizonte<br />desorientado, és meu norte<br />guio-me em tua direção<br />o caminho da minha vida está onde estiveres<br /><br />ponho o corpo perdido pela estrada<br />os zunidos cortam o ar, dilaceram os pensamentos<br />num impulso salto em disparada<br />perdido, esbarrando em outros destinos<br /><br />o corpo pende, caído, a mão toca a terra úmida<br />passando por entre os dedos<br />que já te tocaram<br /><br />o horizonte deformado é tão distante<br />melhor ficar com as costas tocando o chão<br />olhando o céu, liso e límpido,<br />sem teus traços nele<br /><br />fecho os olhos,<br />tuas linhas e curvas misturadas à terra úmida de minhas mãos.Daniel Passoshttp://www.blogger.com/profile/01732441646916736255noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3090892912081450578.post-8208525764994760752010-02-23T12:34:00.000-08:002010-03-05T20:23:49.935-08:00REQUIÉM PARA UM CORAÇÃO FRACOhavia recostado a cabeça em seu ombro,<br />num gesto cansado e indefeso,<br />fechou os olhos e sentia o sangue dela correr pelas veias,<br />invadir o peito e explodir o coração em batidas ritmadas.<br /><br />sentia o seu corpo receoso a cada explosão<br />um medo inconsciente<br /><br />sabia que a partir daquele momento<br />não seria mais capaz de sobreviver sozinho,<br />não tinha sangue, nem veias, muito menos coração<br />que fossem capazes de provocar uma explosão daquele jeito<br /><br />o bater do peito dela,<br />e a cabeça desejando recostar àquele ombro nu todos os dias.Daniel Passoshttp://www.blogger.com/profile/01732441646916736255noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-3090892912081450578.post-84015981122627636372010-01-08T17:27:00.000-08:002010-01-08T18:01:23.357-08:00prelúdio de ano novoa ida incessante dela começa a me deixar confuso. todo dia, no mesmo horário, com sol ou chuva, ela passa num passo apertado. o salto estala pela calçada ritmadamente, o cabelo está sempre preso da mesma forma deixando o pescoço branco à mostra. as vezes ela passava com um vestido branco, normalmente às terças-feiras, e torcia pro vento do outono esvoaçar a barra e mostrar um pedacinho das coxas brancas que se escondiam ali embaixo.<br />conhecia os traços do corpo dela como poucos, sabia quando tinha engordado ou quando não tinha dormido bem. conseguia distinguir o dia da semana pelo tom da maquilagem que cobria a pele. nas segundas ela passava um corretivo embaixo dos olhos e nas sextas saía com as bochechas coradas, levemente alaranjadas. imaginava o caminho que fazia até o trabalho, provavelmente entrava na estação do metrô desviando das pessoas, parecia sempre atrasada. esperava cheia de angústia o ônibus, retocava o batom, secava o suor do rosto e já entrava na loja dando uma desculpa qualquer, falava do trânsito e do calor (no verão), ou do frio (no inverno).<br />À noite colocava a minha xícara de café sobre a mesinha de plástico embaixo da janela e esperava a hora dela passar de volta. o passo já parecia mais cansado e a cabeça mais baixa que na ida. não sabia o que ela ainda ia fazer em casa, quem sabe o jantar e o almoço do dia seguinte que levaria dentro da bolsa pra economizar algum dinheiro para uma roupa nova. ou quem sabe teria que lavar as roupas para que pudesse manter a rotina dos figurinos que usava para trabalhar. quem sabe não faria nada disso e se deitaria na cama, com o corpo nu.<br />ontem a noite mesmo sonhei que tinha descido no horário em que ela voltava do trabalho, havia ensaiado um esbarrão para que pudesse pedir desculpas cordiais e ouvir sua voz. ensaiei também um convite para um lanche na padaria que fica no outro quarteirão, que somente seria feito se ela desse um sorriso após as desculpas. e hoje tinha decidido descer e realizar o sonho planejado. escolhi a roupa casual que vestiria para que ela não percebesse que hoje já não trabalho mais e que fico o dia inteiro sentado à escrivaninha resolvendo pequenos problemas banais da vida de aposentado. chamei a faxineira logo cedo para uma limpeza geral, o meu quarto-e-sala anda cheirando a velho. pode ser eu mesmo, ou o tempo que estou morando aqui, tudo que o tempo toca termina por feder.<br />estava tudo pronto, conferi o vinho na geladeira e guardei a maconha que tinha encomendado de um garoto que mora com a avó no andar de baixo, podia ser que ela quisesse uns tragos enquanto bebesse o vinho. quando estava à porta parei, senti o frio da maçaneta, o cheiro de lavanda barata que saía da minha pele e parei para tentar lembrar da última vez que tinha tido uma mulher nos meus braços, ou mais longe ainda, quando tinha tido uma mulher dentro deste apartamento.<br />larguei a maçaneta, me desfiz do paletó azul-marinho na banqueta da cozinha e enchi a xícara com um café que requentava desde o início da tarde na cafeteira. puxei a poltrona, sentei junto à janela e espiava a tv muda do outro lado da sala quando a vi apontar na esquina com a sua roupa de quinta-feira. totalmente previsível: a mesma roupa, com a mesma maquilagem, o mesmo caminho, o café, o apartamento, ela, tudo era extremamente repetitivo! não sei de onde ela vem e nem pra onde vai, não sei quantos filhos e muito menos se é cheirosa, charmosa, se consegue conversar sobre música e filosofia. na minha mente ela ainda é tudo isso, tudo que envolve aquela mulher tem um mistério e se eu tivesse descido teria descoberto que ela não era nada daquilo que eu pensava e que até o seu cheiro me incomodaria. melhor mesmo ver de longe, ter como verdade os meus delírios e esperar ela passar. e lá vai ela com a sua vidinha, cabeça baixa e passo cansado.<br />vou esperar a tv cansar de se exibir do outro lado e sair do ar, voltar à escrivaninha e esperar a hora de voltar à janela amanhã de manhã. afinal de contas ela não pode ser mais interessante do que já é na minha mente. pior seria conhecer seus defeitos. boa noite!Daniel Passoshttp://www.blogger.com/profile/01732441646916736255noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3090892912081450578.post-80364851549991379302009-12-19T15:25:00.000-08:002009-12-19T16:06:26.086-08:00prelúdio de natalela só havia percebido a decoração de natal em todos os cantos do bairro quando a moça do balcão da padaria lhe desejou boas festas ao entregar o maço de cigarro continental. ainda não tinha captado as coisas que estavam parando a sua volta. havia mais de 15 anos que ela não comemorava um natal, não entrava na cozinha para preparar as dezenas de pratos imaginando os elogios que lhe renderiam durante a ceia. parecem ter sido 15 anos, não consegue mais contar o tempo corretamente, e sópercebe o domingo pelo movimento de velhos, mais velhos que ela, na padaria bebendo vermute e lendo o jornal mais grosso da semana, esse era o domingo. o cigarro e a moça no balcão eram os mesmos de todos os dias, faria, então, qualquer diferença entre uma terça-feira a tarde e um domingo de manhã, além dos velhos e do jornalmais grosso? nenhuma! que diferença teria se contasse o tempo corretamente? tenta, as vezes, medir os anos pelo enrrugar do rosto, em frente ao espelho descobre as novas dobras embaixo dos olhos, o amarelar dos dentes.. por outros tempos fica sem se olhar no espelho e passa diversas noites sem sequer acender a luz do quarto, e assim só vê as sombras dos porta-retratos em cima da cômoda e mesmo assim sabe, com detalhes, quais são as fotos ali, onde elas foram tiradas, o que aconteceu naqueles dias, o que foi dito antes delas serem registradas pela canon do filho mais novo. tenta evitar olhar as imagens, como se isso amenizasse a dor que a imagem traz. entra no apartamento, pela janela entra um golpe de luz que clareia a foto de todos juntos no cristo redentor... com uma lágrima empoçada no canto dos olhos ajoelha no quarto com a foto nas mão e a imagem daquele cristo e começa a rezar, é natal.Daniel Passoshttp://www.blogger.com/profile/01732441646916736255noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3090892912081450578.post-10014161372729952792009-12-06T14:43:00.000-08:002009-12-07T17:04:57.621-08:00prelúdioela estava deitada na cama de seu quarto, com os cabelos ainda molhados do banho, nua em pêlo. o seio tocava a cama como se buscasse um carinho, o corpo lânguido se espalhava por cima dos lençóis emaranhados e era lambido pelo vai-e-vem do ventilador. o livro tocava levemente o outro seio. a história ultrapassava o livro e tocava a pele dela. o autor do livro tinha a moça nua, entregue, destemida. a pele ouriçada, com pelos arrepiados, ela se entregava à personagem do livro. amava a moça do livro como gostaria de amar a si mesma e como queria que os homens de sua vida a amassem. os orgasmos passageiros nunca tinham sido intensos como o prazer que aquele momento lhe dava. ela parecia sentir o relógio parar, o mundo esperava que ela sorvesse o prazer pleno daquele momento. o ventilador parecia parar de girar e fixava as lambidas no colo alvo e nos bicos rosados dos seios. pensava na torpeza dos seus amores, nos toques e nas coisas que sentia sem querer.<br /><br />ela queria mesmo ser aquela mulher que era naquele momento. queria poder amá-la, mostrar a todo mundo quem era, como era e o que pensava. sentia ser ali, trancada em seu quarto, uma mulher mais linda, sensual, poderia ter qualquer homem a seus pés sem o menor esforço. já sentia o prazer de ser desejada. ia ter os melhores amantes, sem pensar no amor, só ia gozar. depois, cansada de tanta volúpia poderia dedicar-se a alguém, mas seria uma devoção como a um santo. teria somente uma chance de amar e de mostrar que seria a melhor amante... o poder de conquistar e de devotar-se para ser amada e devotada por alguém.<br /><br />os delírios transpiram, molham a pele. gotículas em torno dos lábios grossos, a língua com sede sente o sal que sai do corpo e aumenta sua sede. o delírio vem em forma de suor e de sorrisos. o quarto vai ecurecendo e o cabelo vai emprestando a umidade ao travesseiro. olha para o relógio na parede e vê que ficou a tarde inteira deitada, amando e sendo amada por ela mesma. num estalo levanta da cama, veste a calcinha que estava no criado mudo, desliza o corpo pra dentro dum vestido rosa que faz ela se sentir meio francesa quando o vento sopra e ameaça mostrar alguma vergonha sem seu consentimento. ia descer a escada correndo, cantoralando uma canção do chico e caminhar pela rua. ia tentar sem a mesma mulher deitada nua na cama, queria poder mostrar ao mundo o retrato de seu corpo deitado de lado, com as vergonhas salientes e ouriçadas, na cama, queria que pudessem adimirar seus seios, que sentissem o cheiro de seus cabelos ainda molhados... queria sentir o amor possuindo a pele, corpo e mente. e gozar também.Daniel Passoshttp://www.blogger.com/profile/01732441646916736255noreply@blogger.com0