sábado, 7 de novembro de 2009

elucubrações XI

ainda pensava naquela manhã quando atravessava a rua, o guarda vestido numa roupa amassada soltava silvos no apito que continham algum tipo de mensagem, pelo menos foi o que pareceu quando o motorista acenou com a cabeça complacente. na padaria da esquina não preciso mais pedir, o rapaz do balcão me avista de longe e já prepara o café. ando tão previsível que nas segundas e sextas ele sabe que prefiro um suco. e aí a rotina se repete: bebo o café, reclamo de não mais poder fumar meu cigarro no balcão, o rapaz comenta alguma coisa sobre um novo craque do time do santos, concordo com seus comentários, assino a caderneta no caixa.
entro no escritório com um cumprimento rápido a todos, outro café já me espera à mesa e os carimbos começam a soar. marcam o passar do tempo dentro da pequena sala que ocupo no oitavo andar do prédio. não lembro da última vez em que passei uma segunda-feira sem ouvir o bater de um carimbo, essas pancadas pareciam também apagar as memórias, parece que quando olho para trás não consigo me lembrar de nenhum outro momento que não tenha sido precedido ou seguido por um soar ensurdecedor de um carimbo.
a verdade é que me tornei um burocrata e não consigo mais pedir nada que não seja através de um requerimento, memso oralmente, até para pão da padaria é complicado me fazer entender! e não consigo atender a nada que não tenha sido pedido em duas vias, aviso do prazo de sete dias úteis, explicoa utilidade dos carimbos no verso e marco hora para a retirada do documento. fio furioso ao perceber que o interlocutor já nãoprestava mais atenção na explicação entre o segundo e o terceiro carimbo. as pessoas não valorizam mais um carimbo e já me pediram até para aceitar um protocolo digitalmente! senti-me ultrajado e ultrapassado! percebi que provavelmente sou a última pessoa que irá utilizar estes carimbos em cima da mesa, imagino que no dia seguinte à minha aposentadoria, ou à minha morte, o que vier primeiro, os carimbos serão recolhidos e jogados ao lixo. talvez alguém queira guardar algum para mostrar ao neto o objeto obsoleto, como uma espécie de relíquia. parece que vou virar uma referência temporal: a época dos homens que usava carimbos.
agora faço o caminho de volta pra casa, o cachorro é o único que vem me receber, faz festa e me acompanha até o quarto. o jornal já começou, ligo o som e começa a tocar o disco do roberto... melhor ir dormir porque amanhã ainda é quinta feira e vou trabalhar sem gravata e vou pedir um suco de alguma fruta da moda na padaria! quero radicalizar!

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