segunda-feira, 28 de junho de 2010

em cada jardim

o homem prostrado, com os pés fixos
imoblidade, fragilidade
buscas e conquistas em tantos anos
e só hoje conseguiu sentar numa cadeira,
mirar o horizonte ao longe.
e agora consegue ver o que poderia ter sido,
tudo que deixou...

estavam lá esperando por ele,
horizonte, jardins, flores
o tempo castigou a pele, as marcas do tempo
e uma vaga lembrança da feição jovem

largaste tudo por tão pouco, estais arrependido?
a juventudo é burra, cega, ignorante
não sabia o que buscar,
impossível ver o que estava ao meu lado,
tudo por pequenos troféus estúpidos que enferrujam à estante

eu mesmo, que já estou enferrujado, alquebrado,
fico sentado, à margem de tudo,
admirando o que resta do tempo e da vida em mim.

pequeno sopro e tudo se esvai pelo vento que vem do leste.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

a ponte

o corpo balançava leve em cima da ponte. o vento frio soprava vindo do leste, de onde ele tinha acabado de partir. senti de leve as nuances daquilo que tinha acabado de abandonar, um turbilhão de coisas e sensações, mas a culpa ainda era dela. o cheiro dela estava sempre por detrás de qualquer outro que eu tentasse identificar. é como se tivesse infectado tudo com detalhes que por fim sempre remetessem a ela. a inveja na sua forma mais simples.

pensava no meu apartamento e quando deixei a chave na portaria com o chaveiro que ela tinha colocado tempos antes, sem me avisar. fui surpreendido numa dessas noites cansadas, num tive forças pra reagir e jogar o peduricalho no lixo. deixei o molho de chaves presos à aquele souvenir que ela deve ter trazido de algum lugar da europa. era a única chance que tinha de me vingar: deixando aquilo para o próximo morador. o zelador começou a desvencilhar o chaveiro do molho de chaves, quando bati o portão escutei ele me advertindo sobre o esquecimento.

ela sempre ia no mesmo bar, algumas mesas e cadeiras distribuídas num salão mal varrido. pelos detalhes empoeirados nos cantos da parede, parecia ter sido um lugar bem frequentado há algumas décadas. eu tinha acabado de mudar para o quarto-e-sala no centro. descobri o boteco quase sem querer, de relance vi a moça sentada à mesa, sozinha, com uma garrafa de cerveja. olhei o relógio, eram quase 8h da noite.

na semana seguinte me esquivei de últimos detalhes na repartição e cheguei ao bar com meia hora de antecedência, sentei à mesa que ela ocupava há uma semana e pedi a mesma cerveja. em alguns minutos ela entraria e iria me ver invadindo seu território e só teria duas saídas: dividir ou lutar. ela entrou no bar e, irresoluta, sentou na minha frente. despojou o cachecol e o casaco barato em cima da mesa mesmo e perguntou se podia se sentar ali. respondi pedindo mais um copo para o garçom.

naquela noite ela já conheceu meu apartamento e começou a se apossar do meu mundo. cedi um pequeno canto no armário e ela começou a deixar algumas mudas de roupa para os finais de semana que ela resolvia dormir por lá. mudou o lugar o tapete da sala com a desculpa que seu salto ficava preso nele.

em pouco tempo parecia que eu mesmo era o visitante de minha casa. não tinha percebido que tinha perdido meu espaço nessa guerra. até gostava dessas briguiinhas e discussões, o sexo sempre era melhor assim: raiva e amor. amor não, desejo no sentido mais animalesco que se possa imaginar. éramos dois devassos, ossuídos pela raiva e os dois eram obstindos, queria me impor a ela. ela dominava, dizia a hora de começar, terminar e como tudo seria feito.

depois disso ela sumia por alguns dias. inicialmente, pensava me sentir mais vivo, conseguia perceber todas amudanças que ela havia feito entre um sumiço e outro. e traçava planos e regras que seriam ditadas assim que ela resolvesse voltar. em vão. alguns dias depois, começava a sentir sua falta, queria as brigas e o sexo. o sexo fazia mais falta, a explosão da pele, sentir a sua respiração em meu ouvido ee suas pernas me envolvendo.

quando ela aparecia eu já tin ha realocado as coisas por ela mudadas. ela reparava em tudo e se dizia cansada. tínhamos uma espécie de código, e nada era dito ou cobrado. ela saía do banho ainda com os cabelos molhados e nos atracávamos, como animais, e, finalmente, sentia as suas pernas enlaças à minha volta.

(continua)