terça-feira, 23 de novembro de 2010

aquilo que dá no coração

ele rumava para o norte, meio que instintivamente, quando se deparou com ela. era um reencontro, havia tempos que os caminhos tinham se cruzado, mas não sabiam àquela época que haveria um novo encontro. ele estava agora cansado de tudo, de tantas coisas e desacreditando de tantas outras. tinha até construído um muro em volta do pouco que restara dele, revestiu-se de armadura e seguia. ela também vinha assim: protegida.

o reencontro tinha sido como os dois esperavam, casualmente conversaram, contaram um pro outro, de forma resumida, por onde andaram nesse tempo, afinal eram mais de 3 anos. a risada dela era cativante e ele percebeu isso no primeiro gargalhar. arrancou dele um sorriso leve, bom de sorrir. o tempo era curto, tudo tinha prazo, receio e fronteiras pré-estabelecidas. isso tudo aconteceu envolto pela praia, céu e os morros cariocas. ela indicou o lugar onde iriam se sentar, o que iriam beber e o rapaz seguiu solenemente todas as indicações.

o lugar tocava músicas do chico buarque, a noite era quente e ele já havia bebido cervejas suficientes para que a coragem de beijá-la chegasse sem freio. a banda parecia tocar uma trilha sonora a partir daí. dormiram juntos um sono profundo.

o reencontro que tinha data e hora marcada chegou ao fim, ao menos por ali. os dois ainda não sabiam como aquele fim de semana, a praia, o beijo, a música e o sono iria mudar tudo dali pra frente. ele aqui e ela lá, distância física, que atormentou ainda mais o rapaz quando ele soube que seria ainda maior. tratou de partir novamente ao seu encontro, dessa vez tinha deixado toda a sua armadura em casa, tinha pulado os muros que o cercavam. tinha decidido tentar transpassar todas as fronteiras dela, desarmado.

um passou a gostar do outro, a precisar da conversa, risada, companhia e do toque. haviam se despojado de todos os seus medos, deram-se as mãos e resolveram tentar, pular, dar o passo à frente rumo ao desconhecido. tinha nela agora uma dependência sem tamanho e sentia que ela também precisava dele. a felicidade que lhe tomava o peito acabava por sobressaltar aos olhos toda vez que pensava nela.

fizeram um com o outro um pacto de amor, verdade, carinho e companheirismo, sem que qualquer promessa precisasse ser feita de pés juntos. eles simplesmente acreditam um no outro, sentem segurança e são felizes. ele tem nela, e sabe que ela também nele, uma espécie de fortaleza, onde podem se refazer, sonhar e amar alheios ao que acontece no outro mundo, ali dentro o mundo é só deles e os céus parecem conspirar em função dos dois.

posso dizer que ele é feliz e que dela vem felicidade. também sei que experimentam uma espécie de amor que ainda não haviam provado, que se alimentam desse amor e é por ele que os dois tem vivido.

ele sou eu e ela é você, amor. você é o meu sinônimo de felicidade, amor e carinho. é a fortaleza onde gosto de estar.

é com você que descobri aquilo que dá no coração. amor, com você, por você e pra você.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

sem parar

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cansado de tanta coisa e tão pouco me revigora. poucas horas e momentos conseguem me reavivar. poucas pessoas não me cansam e quem não me cansa não está a todo tempo comigo. será que me cansaria delas também se estivessem ao meu lado? melhor que fiquem longe, já são tão poucas... ando correndo demais, sempre querendo chegar lá, mesmo sem saber o quanto ainda falta neste caminho. não há quem estenda a mão, não há quem possa querer ir comigo enfrentar tudo, o que quer que seja, não há. o suor escorre pela testa durante o caminho. e ela lá, sem saber porque ficou e eu sem saber porque não veio. não aprendi a tocar violão e ela sempre gostou de música, deve ser isso. e se não for, e se for eu? e se eu for? ainda bem que ela ficou, não aguentaria ter o cheiro dela ao lado por um tempo e depois deixar que escapasse pelo vento. que pena que ela ficou. uma avalanche de palavras que seriam boas de ser ditas, tantas outras boas de serem ouvidas e só silêncio, tão quieto que ecoa e ensurdece todos os outros sons ao redor. bem que ela podia ser e estar em outras, bem que podia me travestir de outros, disfarçado, encapuzado, teria mais coragem e, sem responsabilidades e expectativas, tentaria, falaria, agiria, gritaria, seria, iria, ia. tantos verbos no futuro do pretérito que não sei mais pra onde olhar, se pra frente, futuro, planos e sonhos, ou se pro passado, pretérito, encerrado e lamentado. continuo num caminho de retornos, cruzamentos e avenidas sempre vazias, vazio e oco. paro e imagino o movimento que ficou, que já foi e que ficou lá com ela. lá também ficaram sons, palavras, sensações. não consigo mais conduzir a vida e o enredo dela. não há mais pausa, capítulos, expectativas. sem escrever "ela" não tenho história, não há minha história sem a dela. preciso dividir o ar, pular, gritar, sentir, sem fugir!

não há tempo para parágrafos

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segunda-feira, 28 de junho de 2010

em cada jardim

o homem prostrado, com os pés fixos
imoblidade, fragilidade
buscas e conquistas em tantos anos
e só hoje conseguiu sentar numa cadeira,
mirar o horizonte ao longe.
e agora consegue ver o que poderia ter sido,
tudo que deixou...

estavam lá esperando por ele,
horizonte, jardins, flores
o tempo castigou a pele, as marcas do tempo
e uma vaga lembrança da feição jovem

largaste tudo por tão pouco, estais arrependido?
a juventudo é burra, cega, ignorante
não sabia o que buscar,
impossível ver o que estava ao meu lado,
tudo por pequenos troféus estúpidos que enferrujam à estante

eu mesmo, que já estou enferrujado, alquebrado,
fico sentado, à margem de tudo,
admirando o que resta do tempo e da vida em mim.

pequeno sopro e tudo se esvai pelo vento que vem do leste.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

a ponte

o corpo balançava leve em cima da ponte. o vento frio soprava vindo do leste, de onde ele tinha acabado de partir. senti de leve as nuances daquilo que tinha acabado de abandonar, um turbilhão de coisas e sensações, mas a culpa ainda era dela. o cheiro dela estava sempre por detrás de qualquer outro que eu tentasse identificar. é como se tivesse infectado tudo com detalhes que por fim sempre remetessem a ela. a inveja na sua forma mais simples.

pensava no meu apartamento e quando deixei a chave na portaria com o chaveiro que ela tinha colocado tempos antes, sem me avisar. fui surpreendido numa dessas noites cansadas, num tive forças pra reagir e jogar o peduricalho no lixo. deixei o molho de chaves presos à aquele souvenir que ela deve ter trazido de algum lugar da europa. era a única chance que tinha de me vingar: deixando aquilo para o próximo morador. o zelador começou a desvencilhar o chaveiro do molho de chaves, quando bati o portão escutei ele me advertindo sobre o esquecimento.

ela sempre ia no mesmo bar, algumas mesas e cadeiras distribuídas num salão mal varrido. pelos detalhes empoeirados nos cantos da parede, parecia ter sido um lugar bem frequentado há algumas décadas. eu tinha acabado de mudar para o quarto-e-sala no centro. descobri o boteco quase sem querer, de relance vi a moça sentada à mesa, sozinha, com uma garrafa de cerveja. olhei o relógio, eram quase 8h da noite.

na semana seguinte me esquivei de últimos detalhes na repartição e cheguei ao bar com meia hora de antecedência, sentei à mesa que ela ocupava há uma semana e pedi a mesma cerveja. em alguns minutos ela entraria e iria me ver invadindo seu território e só teria duas saídas: dividir ou lutar. ela entrou no bar e, irresoluta, sentou na minha frente. despojou o cachecol e o casaco barato em cima da mesa mesmo e perguntou se podia se sentar ali. respondi pedindo mais um copo para o garçom.

naquela noite ela já conheceu meu apartamento e começou a se apossar do meu mundo. cedi um pequeno canto no armário e ela começou a deixar algumas mudas de roupa para os finais de semana que ela resolvia dormir por lá. mudou o lugar o tapete da sala com a desculpa que seu salto ficava preso nele.

em pouco tempo parecia que eu mesmo era o visitante de minha casa. não tinha percebido que tinha perdido meu espaço nessa guerra. até gostava dessas briguiinhas e discussões, o sexo sempre era melhor assim: raiva e amor. amor não, desejo no sentido mais animalesco que se possa imaginar. éramos dois devassos, ossuídos pela raiva e os dois eram obstindos, queria me impor a ela. ela dominava, dizia a hora de começar, terminar e como tudo seria feito.

depois disso ela sumia por alguns dias. inicialmente, pensava me sentir mais vivo, conseguia perceber todas amudanças que ela havia feito entre um sumiço e outro. e traçava planos e regras que seriam ditadas assim que ela resolvesse voltar. em vão. alguns dias depois, começava a sentir sua falta, queria as brigas e o sexo. o sexo fazia mais falta, a explosão da pele, sentir a sua respiração em meu ouvido ee suas pernas me envolvendo.

quando ela aparecia eu já tin ha realocado as coisas por ela mudadas. ela reparava em tudo e se dizia cansada. tínhamos uma espécie de código, e nada era dito ou cobrado. ela saía do banho ainda com os cabelos molhados e nos atracávamos, como animais, e, finalmente, sentia as suas pernas enlaças à minha volta.

(continua)

quarta-feira, 26 de maio de 2010

na parede da memória

ainda lembro do tempo em que ela esteve por aqui. inconstante, cheia de interrogações e tranbordando afeto, o lar parecia mais cheio com sua presença. era como se a magia dela encantasse os móveis e os quadros antigos pendurados na parede. logo cedo tinha a mania de cantarolar versinhos que inventeva na hora. melodias conhecidas com letras criadas por ela. dava 'bom dia' com um sorriso e continuava o seu processo de criação.

esticava o braço e pegava um pedaço de pão, levava um copo de suco para o quarto e escolhia a roupa para sair de casa. com o passar do tempo comecei a perceber que muito da canção interferia em como seria o seu dia, era como se a música fosse um prenúncio do que iria acontecer e das coisas que iria fazer. entre uma melodia e outra fazia um cometário qualquer que eu sempre respondia com um sorriso no rosto, tentando encurtar a conversa pra ter minha trilha sonora de volta.

escovava o cabelo sempre que eu estava amarrando meus sapatos e passava a mesma escova pelos meus cabelos, como quem queria me incluir naquele ritual e seu cheiro ficava. abaixava delicadamente para catar a bolsa e pequenas coisas que lhe seriam úteis e eu a idolatrava, olhando as curvas das suas pernas, torneadas pelo salto alto e alarmadas pela saia ligeiramente acima do joelho.

os passos ritmados iam me esperar na sala, a tv, que falava sobre algum fato importante que já tinha acontecido naquele início de manhã, silenciava. e todo dia neste momento ela anunciava nosso atraso. precisávamos correr e eu só queria parar. queria que o mundo me desse a chance de ouvir mais um pouco daquela melodia e que ela ficasse entoando em meus ouvidos o resto do tempo.

não me recordo há quantos anos ela desligou a tv pela última vez, ou quais foram os últimos versos rimados em suas canções inventadas, mas ainda a vejo saindo do banheiro, deslizando a escova sobre os cabelos caramelados, ainda sinto o cheiro que ela deixava quando saía do banho. ela parece não ter envelhecido, tenho certeza que a reconhececeria somente pela voz.

hoje estou deitado, não há mais múisica, notícias, atrasos, pães frescos e cantoria. os quadros nas paredes acabaram de envelhecer e dificilmente um sebo do centro da cidade os trocaria por um punhado de livros. eu envelheci.

o sol já lambe a janela há algum tempo e eu viro para o lado na tentetiva vã de recomeçar aquele sonho, com aqueles sons.

terça-feira, 4 de maio de 2010

Inebriado

tuas curvas desalinham meu horizonte
desorientado, és meu norte
guio-me em tua direção
o caminho da minha vida está onde estiveres

ponho o corpo perdido pela estrada
os zunidos cortam o ar, dilaceram os pensamentos
num impulso salto em disparada
perdido, esbarrando em outros destinos

o corpo pende, caído, a mão toca a terra úmida
passando por entre os dedos
que já te tocaram

o horizonte deformado é tão distante
melhor ficar com as costas tocando o chão
olhando o céu, liso e límpido,
sem teus traços nele

fecho os olhos,
tuas linhas e curvas misturadas à terra úmida de minhas mãos.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

REQUIÉM PARA UM CORAÇÃO FRACO

havia recostado a cabeça em seu ombro,
num gesto cansado e indefeso,
fechou os olhos e sentia o sangue dela correr pelas veias,
invadir o peito e explodir o coração em batidas ritmadas.

sentia o seu corpo receoso a cada explosão
um medo inconsciente

sabia que a partir daquele momento
não seria mais capaz de sobreviver sozinho,
não tinha sangue, nem veias, muito menos coração
que fossem capazes de provocar uma explosão daquele jeito

o bater do peito dela,
e a cabeça desejando recostar àquele ombro nu todos os dias.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

prelúdio de ano novo

a ida incessante dela começa a me deixar confuso. todo dia, no mesmo horário, com sol ou chuva, ela passa num passo apertado. o salto estala pela calçada ritmadamente, o cabelo está sempre preso da mesma forma deixando o pescoço branco à mostra. as vezes ela passava com um vestido branco, normalmente às terças-feiras, e torcia pro vento do outono esvoaçar a barra e mostrar um pedacinho das coxas brancas que se escondiam ali embaixo.
conhecia os traços do corpo dela como poucos, sabia quando tinha engordado ou quando não tinha dormido bem. conseguia distinguir o dia da semana pelo tom da maquilagem que cobria a pele. nas segundas ela passava um corretivo embaixo dos olhos e nas sextas saía com as bochechas coradas, levemente alaranjadas. imaginava o caminho que fazia até o trabalho, provavelmente entrava na estação do metrô desviando das pessoas, parecia sempre atrasada. esperava cheia de angústia o ônibus, retocava o batom, secava o suor do rosto e já entrava na loja dando uma desculpa qualquer, falava do trânsito e do calor (no verão), ou do frio (no inverno).
À noite colocava a minha xícara de café sobre a mesinha de plástico embaixo da janela e esperava a hora dela passar de volta. o passo já parecia mais cansado e a cabeça mais baixa que na ida. não sabia o que ela ainda ia fazer em casa, quem sabe o jantar e o almoço do dia seguinte que levaria dentro da bolsa pra economizar algum dinheiro para uma roupa nova. ou quem sabe teria que lavar as roupas para que pudesse manter a rotina dos figurinos que usava para trabalhar. quem sabe não faria nada disso e se deitaria na cama, com o corpo nu.
ontem a noite mesmo sonhei que tinha descido no horário em que ela voltava do trabalho, havia ensaiado um esbarrão para que pudesse pedir desculpas cordiais e ouvir sua voz. ensaiei também um convite para um lanche na padaria que fica no outro quarteirão, que somente seria feito se ela desse um sorriso após as desculpas. e hoje tinha decidido descer e realizar o sonho planejado. escolhi a roupa casual que vestiria para que ela não percebesse que hoje já não trabalho mais e que fico o dia inteiro sentado à escrivaninha resolvendo pequenos problemas banais da vida de aposentado. chamei a faxineira logo cedo para uma limpeza geral, o meu quarto-e-sala anda cheirando a velho. pode ser eu mesmo, ou o tempo que estou morando aqui, tudo que o tempo toca termina por feder.
estava tudo pronto, conferi o vinho na geladeira e guardei a maconha que tinha encomendado de um garoto que mora com a avó no andar de baixo, podia ser que ela quisesse uns tragos enquanto bebesse o vinho. quando estava à porta parei, senti o frio da maçaneta, o cheiro de lavanda barata que saía da minha pele e parei para tentar lembrar da última vez que tinha tido uma mulher nos meus braços, ou mais longe ainda, quando tinha tido uma mulher dentro deste apartamento.
larguei a maçaneta, me desfiz do paletó azul-marinho na banqueta da cozinha e enchi a xícara com um café que requentava desde o início da tarde na cafeteira. puxei a poltrona, sentei junto à janela e espiava a tv muda do outro lado da sala quando a vi apontar na esquina com a sua roupa de quinta-feira. totalmente previsível: a mesma roupa, com a mesma maquilagem, o mesmo caminho, o café, o apartamento, ela, tudo era extremamente repetitivo! não sei de onde ela vem e nem pra onde vai, não sei quantos filhos e muito menos se é cheirosa, charmosa, se consegue conversar sobre música e filosofia. na minha mente ela ainda é tudo isso, tudo que envolve aquela mulher tem um mistério e se eu tivesse descido teria descoberto que ela não era nada daquilo que eu pensava e que até o seu cheiro me incomodaria. melhor mesmo ver de longe, ter como verdade os meus delírios e esperar ela passar. e lá vai ela com a sua vidinha, cabeça baixa e passo cansado.
vou esperar a tv cansar de se exibir do outro lado e sair do ar, voltar à escrivaninha e esperar a hora de voltar à janela amanhã de manhã. afinal de contas ela não pode ser mais interessante do que já é na minha mente. pior seria conhecer seus defeitos. boa noite!