sexta-feira, 30 de outubro de 2009

elucubrações IX


"Não confundas o amor com o delírio da posse, que acarreta os piores sofrimentos. Porque, contrariamente à opinião comum, o amor não faz sofrer. O instinto de propriedade, que é o contrário do amor, esse é que faz sofrer. (…) Eu sei assim reconhecer aquele que ama verdadeiramente: é que ele não pode ser prejudicado. O amor verdadeiro começa lá onde não se espera mais nada em troca.”

Antoine de Saint-Exupéry, em Cidadela

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

elucubrações VIII



pequenas placas que sinalizam um caminho
onde ir, como ir e qual a razão de ir
figuras e personagens perdidas flutuam

e o cachorro lá em cima, o real,
é retratado pelo cão a flutuar na imensidão branca da placa

sabe ele, assim como sei eu, que, para a placa,
ele nada mais é que obediência
um fiel retrato do que é determinado na ordem desenhada

na minha vida desenho eu! me dá esse giz de cera!

terça-feira, 20 de outubro de 2009

paulinho da viola!!



14 anos - paulinho da viola

Tinha eu 14 anos de idade
Quando meu pai me chamou
Perguntou se eu não queria
Estudar filosofia
Medicina ou engenharia
Tinha eu que ser doutor

Mas a minha aspiração
Era ter um violão
Para me tornar sambista
Ele então me aconselhou
Sambista não tem valor
Nesta terra de doutor
E seu doutor
O meu pai tinha razão

Vejo um samba ser vendido
E o sambista esquecido,
O seu verdadeiro autor
Eu estou necessitado
Mas meu samba encabulado
Eu não vendo não senhor

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

devaneios urbanos

pedrinhas caídos nas calçadas pelo caminho ainda dormem. com a face colada às pedras frias. os pés e mãos calejadas vez e outra são pisadas pelos que passam correndo rumo ao trabalho, ou em busca dele. crianças sem idade também estão caídas, amontoadas feitos mercadorias vencidas e deixadas de lado pelo dono da mercearia. juntos tentam um usurpar o calor do corpo do outro. a tentativa é vã, esperam que o calor nasça daquela união, ou que o sol resolva parecer e ali possam fazer um "forno-humano". cobertores e pães mordidos esquecidos no lixo são paliativos, parecem somente protelar o sofrimento, a dor e a agonia da existência. ah, quase esqueci de dizer que os pedrinhas são humanos, que assim como as pedrinhas da calçada, também são pisados e esquecidos.

elucubrações VII

tenta explicar algo que só você vê,
aquilo que ninguém mais sente,
tudo que está preso dentro do peito

diz a todos o quanto você sonha,
como gosta de gargalhar,
atreva-se a medir a sua felicidade.

queria ver você explicando tudo que te faz feliz,
onde que você encontrou tantas coisas boas
como juntou tudo, misturou e conseguiu
continuar sorrindo pra tudo na vida

conta isso aos amargurados e receosos,
aos secos, vazios e ocos de alegria.
incrédulos e perplexos
dirão que você enlouqueceu...

digo-lhes, então: ele é viciado em felicidade!
e vai em frente, minha cara amiga.

terça-feira, 13 de outubro de 2009

elucubrações VI

havia uma família de bolivianos no caminho da manhã sem graça. pareciam atônitos, possivelmente perplexos pela dimensão que as coisas tem na terra da garôa.
um deles, que parecia ser o líder do grupo, veio perguntar a mim por uma rua que nunca tinha ouvido falar. não conseguia entender bem o bolivianês que ele falava, tentei falar espanhol, mas descobri que não sei falar espanhol e muito menos bolivianês.

seria eu na bolívia o mesmo que um boliviano é aqui? um brasileiro que só só fala brasilês ou um brasileiro que não entende bolivianês?

o boliviano virou de costas e disse à família que eu tinha dado boas orientações e eu subi a escadaria para continuar a viagem.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

elucubrações V

até onde podemos julgar alguém? em ponto somos melhores que outros? e, sendo melhores, poderíamos nos sobrepor?

a vida acaba por mostrar as verdadeiras facetas dos seres humanos e nada melhor que o convívio para isso. e aos nos depararmos com os erros de alguém acabamos nos esquecendo dos nossos próprios, empunhamos pedras e partimos ao esculacho. denegrir, xingar, ofender e destacar o que seriam os defeitos. seria esse um meio de querer destaque, luz, holofote e atenção? a crítica e a ofensa são limitadas por uma linha tênue, podemos romper a fronteira entre uma e outra sem notar.

ao transpassar essa fronteira podemos perder o que havíamos coquistado: credibilidade. a ofensa gratuita não acrescenta e não leva a evolução alguma. os melhores (e mais evoluídos também) seres humanos que conheci sempre destacaram seus adversários, combatiam com ideias e soluções que os inimigos não conseguiam enxergar, ou seja, iluminavam tudo com uma luz tão forte que o erro e defeito sumiam, eram encobertos pela luminosidade da superação. apenas se valiam da escuridão destes para salientar, fortificar e justificar o seu pensar.

seria, então, melhor perder o controle sobre a fronteira e invadir o território da ofensa gratuita? para alguns é o melhor mesmo, o jeito que encontram de se destacar e de sobrepor. muita vezes não se consegue perceber, mas a humilhação não tarda a vir a tona.

as lições aprendidas pela humanidade sempre mostraram que os humilhadores, não demora muito, serão também humilhados, ou frustrados, por suas próprias ações e palavras. ficam sozinhos num território hostil e minado. todos que estão a sua volta e que, por qualquer razão que seja, imposta por uma relação social, por exemplo, acabam concordando com este ou aquele pensamento. no entanto, na iminência da derrota e das explosões que atigirão o humilhador, rapidamente levantam voo os seguidores e se deslocam para bem longe das minas para poderem se deliciar com a degradação daquele que fora o líder opressor. ver um líder deste tipo ser humilhado tem um sabor diferente para quem teve de concordar com os absurdos! até mesmo as maiores patentes do nazismo, que intimamente eram judeus de alguma forma, se deliciaram com a derrota do Reich, a morte do Fuhrer e a humilhação alemã. a vingança é um prato que se come bem frio... e na minha terra dizem que ela demora porque vem no lombo de um jegue, mas ela chega!

aqueles que conseguem perdoar, destacar o erro do inimigo com sutileza, trazer soluções para eles aparecem muito mais. aprender com o erro do outro é muito melhor! dói muito menos! pra que ser invasor e vilependiador?!

até onde você quer ir com essas ofensas? conseguirá segurar tantas pedras na mão para agredir a todos que eraam a sua volta? acho que viverá sempre cego, a carregar pedras, sem aprender e eu aqui, do lado de cá da fronteira, do lado da crítica. do lado de quem prefere ser criticado e ver as críticas... quero sempre poder compreender o erro alheio, poder entender as soluções que são dadas, aplicá-las aos meus próprios problemas e evoluir.

e quando você estiver cansado pode vir pra cá, trago uma cadeira proo seu descanso, um copo d'água pro seu refresco e as mãos carregadasde perdão e compaixão para descansar as suas tão calejadas das pedras que andou carregando por toda a vida.

cuidado, minha filha, não tente levar tudo que te disse tão a sério, falo a toa, talvez desleixado pelo passar dos anos e pela insanidade. ou ainda pela idade que começa a desgastar as paredes de minha memória. tudo anda meio desbotado, confuso, perdido e agredido pelas pedras que jogaram em minha casa - o meu corpo -, mas a alma ainda sobrevive... e você bem que podia começar aprendendo com a minha insanidade, que tal?

espalme as mãos e aspedras cairão naturalmente. isso já um bom começo para se ter um novo fim.

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

elucubrações IV

há algumas semanas que ando evitando atender os chamados desesperados à minha porta. a sirene parece querer ficar rouca, como se tivesse se cansado de suplicar por minha atenção, seus gritos vão se tornando cada vez mais corriqueiros e já ouvi rumores do corredor que um vizinho logo vai tratar de chamar a polícia para adentrar o meu apartamento. ouvi outros dizerem ainda que estou morto e que meu gato provavelmente vai começar a almoçar o meu rosto, mais tardar, na próxima quarta.
até pensei em matar o coitado do gato por causa desse comentário, pensando que ele também pudesse ter ouvido a sugestão e, num ímpeto curioso, esperasse em tocaia eu pegar no sono profundo para poder saborear minha carne envelhecida. não o matei, pode ser que eu queira jantá-lo qualquer dia desses quando os meus suprimentos estiverem escassos e quiser economizar a última reserva de comida para a minha derradeira ceia.
afinal de contas, quando tudo estiver por um fio, eu e o gato, seremos animais soltos e, ao mesmo tempo, isolados dentro da selva que será o apartamento do quarto andar no leblon.

esquece tudo isso, bichano... a polícia está chegando, já posso ouvir a sirene da viatura e as botinas dos homens fardados surrando o chão da escada e logo mais a porta irá ao chão e estarás salvo.

- quem é?
- é a polícia! está tudo bem, senhor?

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

elucubrações III

o vento que sopra na manhã fria corta o rosto
e as mãos encolhidas em bolsos e algibeiras
procuram um calor perdido
os passos rápidos e incessantes
para que destino?
aonde chegar nunca foi um problema, mas um propósito
a busca por um caminho, mesmo que gelado

e toda a gente fria se entrecruza
os toques de braço e corpo com outros
só intensificam a sensação.
gelad'alma

assisto ao movimento,
tentando acompanhar alguém que julgo estar perdido
tento dizer-lhe "é por lá! não vai por aí..."
o grito pode nem ter saído de minha boca,
e pouco importa, seria fútil
a cidade consegue gritar mais alto
e todos estão surdos!

preciso fechar a janela, esquecer esses detalhes
o cigarro ainda queima no cinzeiro...