nos últimos tempos tenho sido tomado de assalto por sensações de perda iminente, uma espécie de um grande susto de uma quase-perda. seja por motivo de doenças fatais - socialmente classificadas em hereditárias, adquiridas ou merecidas (segundo tendência religiosa de alguns) -, seja por preenchimentos de espaços físicos, decorrentes do transcorrer do tempo ou mesmo do rumo que vida tomou, e uma forte lembrança vem à mente sem que você possa compartilhar aqueles pensamentos esbranquiçados e esmaecidos pelo tempo. a pessoa, os objetos de cena, as falas e o lugar são uma lembrança decadente do que o evento em si representou quando de seu acontecimento.
aceitar o correr do tempo, o perecimento das coisas e pessoas, e compreender o desafio de se prolongar no tempo e de ser testemunha de sua própria (e pequenina) existência é algo ao qual ainda não somos capazes de nos acostumar ou de aprender. os processos de assimilação e somatização destas perdas e andanças são próprios de cada um e, por mais que eu tenha tido vontades lampejantes de procurar um bom terapeuta, que fosse capaz de me ouvir e conduzir a uma resposta ainda que simplória sobre algumas dúvidas que me afligem com grande urgência, entendi que os questionamentos também evoluem em conjunto com estas perdas e o tempo que escorre por entre tudo isso.
o que eu quero dizer é que jamais poderemos ser capazes de responder às tais questões que nos afligem porque o tempo continua a sua cadenciada saga de tiquetaquear, enquanto que eventos, fatos e pessoas se sucedem em nossas vidas. o cenário, mutante por si só, não permite que as dúvidas sejam esclarecidas, que as perguntas sejam respondidas, ou que haja uma mínima compreensão sobre a loucura que nos cerca e nos toma de assalto pela tal 'sensação de perda iminente'. a bem da verdade, na maioria das vezes, a perda já aconteceu e não se trata de uma 'perda iminente' ou de uma 'quase-perda', mas são estas as acepções que desenvolvemos para lidar e enfrentar o luto e desvio de nossa atenção, apego e dependência a outras coisas, pessoas e lugares.
não há o que você e eu possamos fazer a respeito. aceitemos que pessoas nascerão, algumas morrerão e que outras revelarão seu caráter num deslize assustador. aceitemos que novas avenidas serão abertas, que nossos parques e praças de infância serão 'reformados', construídos e adaptados a novas necessidades e alergias infantis. aceitemos que o tempo está a tiquetaquear desde os primórdios e que o seu escorrer por entre os dedos afligiu tantas outras gerações que também perderam seu tempo a pensar no próprio tempo.
veja, os processos de perda acontecem sorrateiramente, ainda que nas grandes fatalidades, porque a própria existência anuncia que estamos sujeitos às catástrofes, sejam elas emocionais ou rodoviárias. não temos tempo de buscar respostas a perguntas que se tornam obsoletas a partir do momento que são formuladas em nosso íntimo, pois a sua própria existência pressupõe a observância, elucubração e constatação a respeito de um cenário e estado de coisas que não se reproduz mais em nenhum canto além de sua própria, vã e melodramática consciência.
seremos ainda tomados de assalto, eu ainda o sou, porque temos esse instinto animalesco de proteção e uma imensa necessidade de comover o outro. esta comoção serve para nos humanizar, fazer-nos mais tangíveis e compreendidos nos processos de dor e perda. nada além de uma pequena encenação social, de auto-convencimento e aceitação.
quando comecei esta divagação alguns parágrafos atrás, eu estava a escrever sobre perdas, mas o tempo passou enquanto me regojizava e deleitava com adjetivos e predicativos que escolhia ao acaso para a descrição dos meus pensamentos, e sou novamente tomado por assalto ao perceber que os processos de 'perda iminente' que haviam se iniciado acima já não são mais tão iminentes assim e podem já estar em vias de serem consumados, haja vista o tempo que sempre me leva a tarefa de escrever e corrigir aquilo que escrevo. melhor conferir meus recados e checar se perdi algo por entre estas linhas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário