quarta-feira, 13 de julho de 2016

elucubrações antes de conferir os meus recados na caixa postal.

nos últimos tempos tenho sido tomado de assalto por sensações de perda iminente, uma espécie de um grande susto de uma quase-perda. seja por motivo de doenças fatais - socialmente classificadas em hereditárias, adquiridas ou merecidas (segundo tendência religiosa de alguns) -, seja por preenchimentos de espaços físicos, decorrentes do transcorrer do tempo ou mesmo do rumo que vida tomou, e uma forte lembrança vem à mente sem que você possa compartilhar aqueles pensamentos esbranquiçados e esmaecidos pelo tempo. a pessoa, os objetos de cena, as falas e o lugar são uma lembrança decadente do que o evento em si representou quando de seu acontecimento.

aceitar o correr do tempo, o perecimento das coisas e pessoas, e compreender o desafio de se prolongar no tempo e de ser testemunha de sua própria (e pequenina) existência é algo ao qual ainda não somos capazes de nos acostumar ou de aprender. os processos de assimilação e somatização destas perdas e andanças são próprios de cada um e, por mais que eu tenha tido vontades lampejantes de procurar um bom terapeuta, que fosse capaz de me ouvir e conduzir a uma resposta ainda que simplória sobre algumas dúvidas que me afligem com grande urgência, entendi que os questionamentos também evoluem em conjunto com estas perdas e o tempo que escorre por entre tudo isso.

o que eu quero dizer é que jamais poderemos ser capazes de responder às tais questões que nos afligem porque o tempo continua a sua cadenciada saga de tiquetaquear, enquanto que eventos, fatos e pessoas se sucedem em nossas vidas. o cenário, mutante por si só, não permite que as dúvidas sejam esclarecidas, que as perguntas sejam respondidas, ou que haja uma mínima compreensão sobre a loucura que nos cerca e nos toma de assalto pela tal 'sensação de perda iminente'. a bem da verdade, na maioria das vezes, a perda já aconteceu e não se trata de uma 'perda iminente' ou de uma 'quase-perda', mas são estas as acepções que desenvolvemos para lidar e enfrentar o luto e desvio de nossa atenção, apego e dependência a outras coisas, pessoas e lugares.

não há o que você e eu possamos fazer a respeito. aceitemos que pessoas nascerão, algumas morrerão e que outras revelarão seu caráter num deslize assustador. aceitemos que novas avenidas serão abertas, que nossos parques e praças de infância serão 'reformados', construídos e adaptados a novas necessidades e alergias infantis. aceitemos que o tempo está a tiquetaquear desde os primórdios e que o seu escorrer por entre os dedos afligiu tantas outras gerações que também perderam seu tempo a pensar no próprio tempo.

veja, os processos de perda acontecem sorrateiramente, ainda que nas grandes fatalidades, porque a própria existência anuncia que estamos sujeitos às catástrofes, sejam elas emocionais ou rodoviárias. não temos tempo de buscar respostas a perguntas que se tornam obsoletas a partir do momento que são formuladas em nosso íntimo, pois a sua própria existência pressupõe a observância, elucubração e constatação a respeito de um cenário e estado de coisas que não se reproduz mais em nenhum canto além de sua própria, vã e melodramática consciência.

seremos ainda tomados de assalto, eu ainda o sou, porque temos esse instinto animalesco de proteção e uma imensa necessidade de comover o outro. esta comoção serve para nos humanizar, fazer-nos mais tangíveis e compreendidos nos processos de dor e perda. nada além de uma pequena encenação social, de auto-convencimento e aceitação.

quando comecei esta divagação alguns parágrafos atrás, eu estava a escrever sobre perdas, mas o tempo passou enquanto me regojizava e deleitava com adjetivos e predicativos que escolhia ao acaso para a descrição dos meus pensamentos, e sou novamente tomado por assalto ao perceber que os processos de 'perda iminente' que haviam se iniciado acima já não são mais tão iminentes assim e podem já estar em vias de serem consumados, haja vista o tempo que sempre me leva a tarefa de escrever e corrigir aquilo que escrevo. melhor conferir meus recados e checar se perdi algo por entre estas linhas.


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