quinta-feira, 28 de julho de 2016

um gole de chá.

respirava profundamente com os olhos fechados e os cotovelos apoiados na mureta que separava a varanda do jardim. era um gramado verde reluzente a essa hora da manhã, tinha floreiras por todo o caminho que chegavam a um lago, sempre gelado a essa época do ano. havia um ritual nostálgico nesse respirar profundo. ela dizia que era capaz de refazer o caminho e os passos dos dias de verão em que saíam nus da varanda até o lago, sentia o vento que tocava seu corpo e causava seguidos arrepios, também era capaz de perceber o aroma da florada de cada um dos canteiro bem cuidados que se espalhavam pelo caminho.
nunca tinha percebido esse aroma, nunca notara os arrepios e a textura da grama na sola do pé. somente agora, depois de passados alguns anos - nem se sabe quantos ao certo - é que é capaz de sentir todos os detalhes.
a água parecia um espelho, água tranquila e calma que corria por uma canaleta do outro lado da margem à esquerda. ao lado direito corria um filete de água das rochas e era impossível acreditar que aquela goteira era capaz de encher um lago. pelo menos era isso que ele havia dito a ela na primeira vez que ela notou aquele trabalho maçante da natureza ao fundo.
foi depois que ele apareceu que ela adquiriu o hábito de mergulhar de cabeça na água, sem saber o certo a sua temperatura e sem especular como sua pele receberia aquele banho matinal, se com frio ou o alívio refrescante do verão. nadavam descompassadamente, de uma margem a outra, cruzavam as braçadas do nado, davam-se as mãos nas partes mais fundas e entrelaçavam-se as pernas quando estavam apoiados nas rochas.
o sol tomava o lago e deitavam à margem quando saíam da água. ela apoiava a cabeça no peito dele e já sentia os pelos braço eriçarem quando ele prendia os dedos por entre seus cabelos. ficavam lá deitados, sem tempo e sem pressa. notavam o fim da manhã com a mudança de posição do sol, a pele e o cabelo já secos.
caminhavam de volta à varanda enquanto ele explicava em pormenores o sistema de fertilização e polinização das flores naquela região. ela não entendia bem dessas naturezas, mas ficava encantada com a devoção que ele a dedicava em toda a explicação. comparavam o tamanho das rosas e a fazia lembrar que elas maiores no verão passado, que isso poderia ser um processo de enfraquecimento do solo. pelo que ela entendeu, o solo precisava de nutrientes para que as rosas crescessem bem. ele se comprometeu a adubar aquele canteiro e ela sentiria que as rosas seriam maiores e mais intensas na próxima florada.
sempre que chegavam à varanda eles encontravam duas toalhas secas e bem dobradas postas em cima da cadeira de madeira. sobre a mesa repousavam um bule com chá fumegante e uma garrafa térmica com um café levemente adocicado.
ele tomava chá e ela tomava café recostados no sofá.

é sempre neste momento que ela interrompe o ciclo de respirações longas, abre os olhos com alguma dificuldade por conta da luminosidade do sol e enxerga o jardim, o lago ao fim do tapete verde, enlaça os dedos ao redor da caneca e toma um gole do líquido quente.

ela não toma café há muitos anos. o hábito perdeu o sentido quando deixou de tomar banho no lago e o toque da água em sua pele passou a ser uma lembrança em sua memória.

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